terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Profano e humanista

Nota: Dia 25/11/2008 Levi-Strauss completou 100 anos. Este texto de 1999 é apenas uma singela homenagem a um dos meus referenciais intelectuais.

D.E.:                O senhor nunca foi perturbado pelo sentimento re­ligioso?
C.L.-S.:           Se por religião você entende uma relação com um Deus pessoal, nunca.
D.E.:                Esta "descrença" desempenhou um papel na sua evolução intelectual?
C.L.-S.:           Não sei. Na adolescência, eu era muito intole­rante quanto a este assunto; hoje, depois de ter estudado e ensinado a história das religiões - todos os tipos de reli­gião - tornei-me mais respeitoso do que quando tinha de­zoito ou vinte anos. E depois, mesmo continuando surdo as respostas religiosas, cada vez mais sou invadido pelo senti­mento de que o cosmos e o lugar do homem no universo ultrapassam e ultrapassarão sempre nossa compreensão. Acontece que me entendo melhor com os crentes do que com os racionalistas empedernidos. Pelo menos os primeiros têm o sentido do mistério. Um mistério que, a meu ver, o pen­samento parece constitucionalmente incapaz de resolver. É preciso contentar-se com as mordidelas infatigáveis que o conhecimento científico dá em suas bordas. Mas eu não co­nheço nada mais estimulante, mais enriquecedor para o espírito, do que tentar seguir este processo - como pro­fano; permanecendo consciente de que cada avanço faz sur­gir novos problemas, e de que a tarefa não tem fim.

Cada dia que passa, cada discussão que tenho ou página que leio, me sinto muito mais próximo da concepção do grande antropólogo Claude Lévi-Strauss.
Um passado eivado de teorias filosóficas lhe serviram como base. Seu desenvolvimento maior, suas compreensão mais profunda, a meu ver, surgiram a partir do momento em que desloca o foco das preocupações meramente teorizantes, para a busca da compreensão do homem e da sua cultura, do seu sentir e da sua inserção no mundo.
É valioso o final de sua afirmação onde coloca como estimulante e enriquecedora uma postura profana do homem.
Eu diria mais, vejo tal postura como libertadora para o Espírito, historicamente engalfinhado em dramas de consciência, nascidos a partir de uma imposição social para a adesão a uma religião, e estas por sua vez, se estribavam em uma postura opressora, não permitindo ao homem amplidão de raciocínios, procura individual de ilações lógicas. A base dogmática das religiões cerceavam qualquer possibilidade. Restando apenas ao ser pensante a dualidade da aceitação ou da rejeição; implicando muitas vezes esta no custo da própria vida.
Descontente com as possibilidades oferecidas, o ateísmo acabava sendo o desembocadouro natural de grande parte das pessoas cujo questionamento era mais profundo e amplo; mormente os homens de ciência, cujo trato com a matéria, a descoberta das leis que a regem, lhe servia como reforço a uma crença ( ou mito ) da ciência como algo soberano e superior ao homem.
Nessa perspectiva a ciência era colocada como uma instância a parte, e tal como a religião dogmática.
A postura profana, e ao mesmo tempo complacente, humanista que se pode extrair da proposta de Lévi-Strauss, se coaduna perfeitamente com as reflexões nascidas a partir da derrocada da era das certezas científicas; momento na qual a palavra probabilidade passou a constar no dicionário de todos aqueles que se dedicam com seriedade e abertura mental aos estudos científicos.
Vemos, dessa forma, os dogmas religiosos e os dogmas científicos cederem lugar a novas concepções.
Concepções profanas a embalar o humanismo e a complacência de um novo tempo.
Fernandes, Paulo Cesar (Keine Grenze

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