sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Giglio

Giglio
 Giglio caminhava devagar, já saíra do seu bairro Gonzaga na direção da casa da filha. Olhava as casas como de seu hábito e pensava nas modificações que o progresso, duvidoso progresso acabara por fazer no bairro de toda a sua vida.
O sol batia animado por sobre os telhados das poucas casas da rua. Nesses dias de sol gostava de levar os netos a passear.
Queria desfrutar dessa convivência antes deles iniciarem a jornada escolar. Tinham seis e cinco anos, e a filha só cogitava a escola para o ano seguinte.
_ Certinho, ei certinho, onde vai?
Olha ao redor e nada vê. Segue seu caminho mirando as casas e ao virar a  esquina se depara com sua sombra.
Esta se deforma um pouco.
_ E minha resposta? - ouviu dela.
_ Então fostes tu? Vou na casa de minha filha. Meus netos gostam de sair nas manhãs ensolaradas de inverno. - respondeu intrigado.
Sarcásticamente diz a sombra:
_ E compras um doce. Um doce para cada uma das crianças. Sentam no banco da praça a ver pombos. Bonito não?
_ Bonito. Simples e bonito sim.
_ E teus bons netos só merecem um doce?
_ Nada disso! Merecem o mundo. - responde enfáticamente.
_ Giglio, a vida vive a te oferecer o mundo, e tu, tu teimas em dizer sempre não.
_ Mas como dizer sim? Essa concordância tem um preço muito alto.
Silêncio. Forte silêncio. Giglio por instantes toma fôlego e grita a plenos pulmões:
_ NÃO VENDO MINHA ALMA ! ! !
_ Que bela fala!  ... num palco teatral apenas. A vida é outra coisa. Nela devemos transigir.
_ Transigir???
_ É claro. Devemos ser mais maleáveis, aceitar algumas coisas sem rancor.
_ A desonestidade? - pergunta alterado.
_ Mas não fale assim. Palavra feia. Vamos colocar as coisaas numa outra ótica: reordenamento de recursos para fins familiares.
_ Eufemismo? Tu e tantos outros são mestres nessas frases. Frases que escondem muitos métodos sujos e a torpeza de vosso caráter.
_ Certinho. Você é definitivamente insuportável. De bom grado me separaria de ti por toda a eternidade.
Giglio sorrio matreiro:
_ O Mago, já vamos ao Mago.
_ Não, não, não, ... Nada disso...
Mas era tarde. Ja na cabana do mago Giglio entrega seu lado sombrio.
Era fim de tarde.
Aquela nova imagem límpida e alongada, espraiada no chão, lhe dava uma sensação/percepção de grandeza.

                                      Paulo Cesar
                                      16/03/2008

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