sábado, 22 de março de 2014

20140322 Final de um espetáculo de Giorgio Gaber e Sandro Luporini

Final de um espetáculo de
Giorgio Gaber e Sandro Luporini





Ler o livro de Luporini, sobre seu trabalho com Gaber, é como
te-los ao nosso redor, numa conversa na sala de estar, como antigamente o havia nas casas.


Hoje não mais temos salas de estar, pois as pessoas não mais estão.
Autômatos imantados a uma tela que lhes dita a vida.


Mas fiquemos com Gaber.

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Finale


Nella penombra della scena l’attore prosegue,
senza intaccare minimamente l’ordine prestabilito.



Avrebbe voglia di rovesciare tutto,
di introdurre un’inversione, uno sfasamento,
una confusione, una curvatura.



Ma anche negli atti più insoliti,
la sua vita è un meccanismo perfettamente oleato.



Qualche rara volta
sembra che si riesca veramente a romperlo,
una specie di magia.



Per un istante il meccanismo regolato della scena si interrompe,
a metà di una frase l’attore si arresta,
la sa a memoria questa parte che recita ogni giorno,
ma forse questa sera si rifiuta di andare avanti,
gli altri personaggi si irrigidiscono col braccio alzato.



La misura che l’orchestra aveva cominciato si prolunga indefinitamente, bisognerebbe ora fare ualcosa. 

                               
Dire una parola, una parola qualunque, che non sia scritta nel copione….


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Na penumbra da cena o ator prossegue
Sem mudar nada da ordem estabelecida



Tinha vontade de bagunçar tudo
fazer uma inversão, um deslocamento
uma confusão, uma mudança de rumo



Mas mesmo nos atos mais insólitos
A sua vida é um mecanismo perfeitamente ajustado



Qualquer mudança
parece correr o risco de ruptura
uma espécie de magia.



Por um instante o andamento da cena se interrompe
ao meio de uma frase o ator estanca
foge da memória o texto que recita todo dia
mas esta noite talvez se recuse a avançar
os outros personagens param de braços levantados



A nota que iniciara a orquestra se prolonga indefinidamente
era necessário fazer qualquer coisa agora



Dizer uma palavra, uma palavra qualquer, não escrita no roteiro.

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Conta Luporini, que naquele instante de 1978 e 1979, ele e Gaber já haviam se distanciado dos movimentos institucionais dos partidos e das instituições.


A morte de Aldo Moro, pelas Brigadas Vermelhas, era algo forte. Repercutia fortemente na Itália e no mundo. E o trabalho deles sempre tratara da atualidade, mas não poderia tocar no tema, seria grotesco, dado o impacto de tudo aquilo no mundo.


Um impacto semelhante à queda das torres gemeas.


Estavam numa encruzilhada: algo já não era mais, a matéria prima do trabalho não podia ser usada, e tinham algo a dizer; a necessidade de mudança ainda era um imperativo. Não podiam abrir mão desse trunfo. O texto acima reflete algo dessa angústia.


Se percebermos atentamente o palco cênico representa a sociedade; o ator rebelde é a representação de cada um de nós. E o texto intencionalmente mistura o palco e a vida.


Tenho dito aos alunos da UNESP quando tenho oportunidade que, aos 62 anos me encontro na coxia do palco da vida. O centro desse palco é deles. Que tomem o poder, que façam a revolução, pois os velhos falhamos todos na construção de um pais melhor, de um mundo melhor. Cabe a eles, com todo o idealismo, fazer o
trabalho não feito por nós: por incompetência; por covardia; por comodidade; por crenças irreais;etc.


Cada um de nós teve sua motivação para deixar o mundo tal
qual chegou.


Muitos encontramos forças contrárias muito fortes. Fomos alijados de nossas possibilidades. Dos possíveis espaços. Até hoje venceram os torpes e os sem idealismo e sem ética. "Vence na vida quem diz sim", não é Chico Buarque?


Mas o texto do Gaber é para todos nós.


Exatamente nós. Não mudamos um fio de cabelo do nosso penteado, somos sempre iguais e previsíveis em tudo.


Pequenos autômatos, a nos deslocar no mundo, a rapetir pensamentos e gestos tal qual Carlitos em Tempos Modernos.


Nossos corpos e nossas mentes foram formatados, para viver e se sentir bem apenas na mesmiçe. O novo nos apavora, e levantamos os braços como se estivessemos sendo raptados de nosso Habitat Natural.


Nada temos de Fernão Capelo Gaivota, nada aprendemos da mensagem de Richard Bach. A mediocridade da nossa Zona de Conforto é mais segura.


Nem todos somos assim, alguém dirá. E isto é verdade.


Mas cada um deve saber de si. Se fizer sincera análise se descobrirá.



Paulo Cesar Fernandes

22 03 2014

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