quarta-feira, 27 de maio de 2015

20150527 Discurso inaugural do futuro

Discurso inaugural do futuro






O contexto intelectual

Outubro de 1818. A Europa está pacificada e a Santa Aliança impõe sua organização. A Alemanha, que foi profundamente convulsionada, reencontra sua ordem, seus sonhos, e a realidade. 


Na Prússia, a tradição, solidamente reinstalada, reintegra as "liberdades" com que teve de consentir no momento de perigo. Das margens do Neva à embocadura do Tejo, em toda parte, restaura-se. Hegel — que beira os cinqüenta anos —já está de posse de seu sistema Deixou Heidelberg, onde foi professor durante dois anos, e atinge a consagração.


Acaba de ser chamado a Berlim, para a cátedra de filosofia, a mais cobiçada da Alemanha. Pronuncia seu discurso inaugural:

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Ao me apresentar hoje pela primeira vez nesta Universidade na qualidade de professor de filosofia função para a qual fui chamado pelo favor de S.M. o Rei, permitam-me dizer neste prólogo o quanto, no que me diz respeito, considero particularmente desejável e agradável dedicar-me a uma atividade acadêmica mais importante, exatamente neste momento e neste lugar. Quanto ao momento, parece terem se produzido circunstancias em favor das quais a filosofia pode de novo prometer despertar a atenção e a simpatia, e essa ciência, quase reduzida ao silêncio, pode ter esperanças de novamente elevar a voz. 


Na verdade, ha pouco tempo ainda, era, de um lado, a miséria da época que atribuía grande importância aos interesses mesquinhos da vida cotidiana e, de outra parte, eram os grandes interesses da
realidade, o interesse e as lutas para restabelecer antes de mais nada e salvar em sua totalidade a vida política do povo e do Estado, que se apoderavam de todas as faculdades do espírito, das forças de todas as classes, assim como dos meios exteriores, a tal ponto que a vida interior do espírito não podia ter um pouco de tranqüilidade. O espírito do universo, tão ocupado com a realidade, atraído para o exterior, via-se impedido de recolher-se ao interior e a si próprio, para devolver-se à sua pátria e nela usufruir de si mesmo. 


Hoje, quando essa torrente de realidade se partiu e a nação alemã salvou de maneira geral, sua nacionalidade, fundamento de toda vida verdadeiramente vivente, chegou também a hora do livre império do pensamento florescer no Estado, da maneira que lhe é própria, ao lado do governo do mundo real. E a pujança do espirito se fez valer nessa época, a tal ponto que só as idéias individuais, e o que lhes é conforme, são o que pode hoje, de maneira geral, se manter, e o que quer ter algum valor deve justificar-se diante da sabedoria e do pensamento. Foi especificamente este Estado que me acolheu que por sua preponderância intelectual se elevou à importância que lhe convém no mundo real e político, tornando-se igual em poder e independência a Estados que lhe teriam sido superiores por seus meios externos.


Neste Estado, a cultura e o florescimento das ciências são um elemento dos mais essenciais na vida do Estado. É preciso também que nesta Universidade a Universidade do centra o centro da cultura do espírito, de toda ciência e de toda verdade, a Filosofia, encontre seu espaço e seja por excelência um objeto de estudo. Não é apenas de uma maneira geral, a vida é espírito que constitui um 
elemento fundamental da existência deste Estado, porém mais precisamente, essa grande luta do povo unido a seu príncipe por sua independência, pela ruína de uma tirania estrangeira e bárbara e pela liberdade extraiu sua origem de mais alto, ou seja, da alma. 


Foi a força moral do espírito que, tendo sentido sua energia levantou sua bandeira e deu ao seu sentimento o valor de um poder
e força reais. Devemos considerar como um bem inestimável que nossa geração tenha vivido, agido e obtido resultados que têm esse sentimento, sentimento em que se concentra tudo que é direito, 
moral e religioso. — Numa ação profunda e universalmente abrangente desse gênero, o espírito eleva-se em si mesmo até sua dignidade própria; a trivialidade da vida e a banalidade dos interesses desaparecem, e a superficialidade da inteligência e das opiniões revela-se em sua nudez e se dissipa essa seriedade profunda que penetrou a alma é o verdadeiro terreno da filosofia. O que, por um lado, se opõe à filosofia, é a atitude do espírito que mergulha nos interesses e na necessidade cotidiana, e por outro, a vaidade das opiniões; a alma que sofre essa influência não tem lugar algum para a razão, que não busca o interesse particular. Essa frivolidade deve dissipar-se em seu nada, quando para o homem tornou-se uma necessidade esforçar-se pelo substancial, e quando se chegou ao ponto em que só esse elemento substancial pode se fazer valer. 


Ora, vimos nosso tempo concentrar-se nesse elemento, vimos formar-se a semente cujo desenvolvimento posterior, sob todos os pontos de vista, político, moral, religioso. cientifico, foi confiado a 
nossa época.


Nossa missão e nossa tarefa consiste em consagrar nossos esforços ao desenvolvimento filosófico desse fundamento substancial, atualmente rejuvenescido e fortificado.

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Segue Chatelet:

Sem dúvida, trata-se de um discurso solene. Hegel o compõe com os hábitos universitários. Nem por isso diz menos exatamente o que quer dizer em tais circunstâncias. E o que quer dizer, o que quer 
definir, é sua própria atitude — isto é, a atitude do teórico que elaborou o saber que permitiu à filosofia tomar-se Ciência — diante da "realidade dos fatos". Assim, indica não apenas que, 
segundo ele, ou seja, segundo o saber conseqüente, se estabelece entre a atividade teórica e a situação histórica uma relação necessária, mas também determina como compreende essa situação em seu conteúdo. É esse o ponto no qual devemos, no momento, nos deter. A situação de 1818, em Berlim, na Prússia, na Alemanha, mas também em toda a Europa (Europa que aos olhos de Hegel, numa demonstração que teremos de analisar, a Alemanha "simboliza"), é entendida como resultado. E o que rendia, após uma tensão dramática, é um apaziguamento. O apaziguamento, se lermos bem, estende-se a dois domínios, que aliás remetem um ao outro.


Num primeiro sentido, a "realidade" está agora acalmada: não apenas é legitimo devolver à trivialidade aqueles que se deixam levar pelos dramas e desvios da existência cotidiana, mas é justo 
reconduzir às suas proporções normais aqueles que, dedicados à salvação de seu povo ou do Estado, se consagraram às necessidades que, por serem heroicas, nem por isso eram menos particulares.


Em segundo lugar, e ao mesmo tempo, a opinião se apaziguou, e isso na medida em que não pôde deixar de manifestar a simplicidade de sua natureza profunda: quase não pode mais negar, agora que o curso do mundo se tornou sensato, que sua essência se diluiu por entre os cálculos do interesse pessoal e os caprichos da paixão subjetiva.


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É digno de nota a grandeza de Hegel quando atribuí à filosofia e à sua época o condão de melhora da humanidade, "sob todos os pontos de vista, político, moral, religioso. cientifico".

Seu sistema seria assim como um todo completo. Não tenho capacidade de avaliar ou ter posição firmada. Apenas tenho prazer em me aproximar de homens de bem, como é o caso de Hegel. 

Digo sempre que precisamos fazer o Bem no mundo. Pois para fazer o Mal e para ter o Mal dentro de si já contamos com muita gente.


Paulo Cesar Fernandes

27/*05/2015

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