segunda-feira, 11 de maio de 2015

20150426 A verdade de cada um

A verdade de cada um


A vida nas mãos. Tem o médico.



Mas não. O tilintar das moedas lhe exerceram fascínio irresistível, abandonou seu posto em Carinhanha, nas margens do Rio São Francisco. Era bem quisto pela população do local, gozava de prestígio em todos os locais; dos mais pobres aos mais ricos.

Partiu deixando para trás toda uma população. Para trás ficaram ainda os sonhos dos anos de faculdade e residência na UNIFESP ou Escola Paulista de Medicina; residência conquistada a duras penas,
através de noites seguidas sobre livros: Fisiologia Médica era seu tema principal; doenças tropicais; e outras tantas disciplinas. Precisava estar seguro no momento dos exames.

Pai famoso não tinha. Mas competência e garra não lhe faltavam.

Os mimos diversos da população não mais lhe bastavam. Ansiava por mais após cinco anos de entrega total àquele povo ribeirinho.

Seus colegas de turma, chegando a cargos importantes em Secretarias de Estado da Saúde o abalou nas convicções e sonhos. Estava em questão o idealismo do passado.

_ Eu preciso crescer. Carinhanha é local pequeno para mim, para meus conhecimentos todos. - Comentava sempre junto aos companheiros de trabalho da cidade ribeirinha.

_ Mas o povo te ama Igor. Vai largar isso tudo?

_ Não dá. Eu quero mais. Muito mais.

Ao chegar de volta a São Paulo retorna aos bancos da universidade, se especializando em cardiologia. Um casarão da Avenida Brasil, no Planalto Paulista era seu consultório. Antiga sede de um banco de renome. Seu nome se espalhou muito rápido na capital. Tratava os paulistanos com o mesmo carinho aprendido em Carinhanha.

Atendia das sete às vinte e uma, desmesurado no trabalho. Seus pacientes eram da elite paulistana, gente de projeção nas mais diversas áreas. Mas sua vida era um inferno total, se alimentava
sempre correndo. Sabor de alimento não mais sentia, mal mastigava e engolia. Cuidava com rigor da anamnese de cada paciente, mas procurava não deixar ninguém esperando. 

Uma tarde lhe desmarcou a consulta um paciente, pediu à moça não chamasse de imediato o próximo alegando necessitar um tempo para si.



Deitou na maca e seu corpo todo desacelerou. Um desmonte do corpo e da alma. Nesse hiato de tempo, reviu os fins de tarde nas quais gerenciava o ritmo do Rio São Francisco.




_ Hoje você está mais bravo meu menino? Estou de olho como toda tarde.

Desce dos seus devaneios e da maca. Pega um copo de água e vai à janela. O trânsito da cidade fervia. Foi a primeira vez que olhara a rua depois da visita com o corretor para o acerto do aluguel; bem dizendo após o início do trabalho. Nesse momento ouviu buzinas e palavrões pela primeira vez, desde que iniciara o processo de trabalho.

Vai ao armário onde estavam as fichas dos clientes. Se assusta com o número deles. Mas havia decidido.

_ Sei que é muita gente, mas eles hão de me entender. É uma retomada de vida. 

_ Que houve Doutor Igor?

_ Por favor minha filha, não marque novas consultas, nem para antigos pacientes. Diga que eu precisei me ausentar definitivamente da cidade.

_ O senhor está doente?

_ Não. Mas vou ficar a seguir no ritmo de agora. Vou me recolher a uma vida mais pacata. Por favor avise a imobiliária que em dois meses liberamos esta casa.

Rosinha olhava Doutor Igor sem entender nada.

_ Esse seu rosto parece um ponto de interrogação.

A moça sorri, balançando afirmativamente a cabeça.

_ Eu explico minha filha. Estes quatro para cinco anos de grande riqueza me empobreceram a vida. Não estou vivendo mais.

_ Que fará da sua vida Doutor?

_ Volto para Carinhanha. Remonto meu consultório agora com mais uma especialidade em mãos. 

_ Então estou despedida? - diz Rosa.

_ Fale com seu marido, se decidirem terão acolhida na cidade. Você segue comigo e ele dando suas aulas de música.

_ Mas assim tão de repente o Doutor decide?

_ Na verdade me orienta o coração, afinal sou cardiologista, e ele me diz da necessidade maior do momento: simplicidade e afeto. A cidade simples e Anamara a minha amiga de lá.

Igor sai para chamar o próximo paciente, mas já com uma calma nunca vista por Rosinha. Nessa hora Rosa percebe não ser uma coisa assim repentina. Essa orientação do coração tinha rabo de saia pelo meio.

Os dois meses seguintes foram de desaceleração.

Passado o tempo necessário uma grande faixa se estendia de lado a lado na frente da casa: A L U G A.

Não há como negar: os sonhos são sempre mais fortes que nós.


Paulo Cesar Fernandes

26/04/2015


Fotos de: http://www.ferias.tur.br/fotos/507/carinhanha-ba.html

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