quinta-feira, 21 de maio de 2015

20150521 Alguém era comunista

Alguém era comunista


Qualcuno era comunista (Alguém era comunista
Giorgio Gaber e Sandro Luporini
Tradução: PC


Alguém era comunista pois nascera em Emília.
Alguém era comunista porque o avô, o tio, o papai...
    ... a mamma não.

Alguém era comunista pois via a Rússia como uma promessa, a China como uma poesia, o comunismo como o paraíso terrestre.

Alguém era comunista pois se sentia só.
Alguém era comunista porque havia tido uma educação católica demais.

Alguém era comunista porque o cinema o exigia, o teatro o exigia, a pintura o exigia, a literatura também... tudo o exigia.

Alguém era comunista porque lhe haviam dito.
Alguém era comunista porque... não   lhe   haviam   dito   tudo.

Alguém era comunista porque... antes... antes... antes... era fascista. 
Alguém era comunista porque havia percebido que a Rússia andava devagar, mas ia longe. (Risos...) longe 

Alguém era comunista porque Berlinguer era uma pessoa de valor.
Alguém era comunista porque Andreotti não era uma pessoa de valor.

Alguém era comunista porque era rico mas amava o povo.
Alguém era comunista porque bebia o vinho e se comovia nas festas populares.

Alguém era comunista porque era tão ateu que tinha necessidade de um outro Deus
Alguém era comunista porque era tão fascinado pelos operários que queria ser um deles.
Alguém era comunista porque não podia fazer mais ao operário.

Alguém era comunista porque queria o aumento do salário.

Alguém era comunista porque a revolução hoje não, amanhã talvez, mas depois de amanhã seguramente.

Alguém era comunista porque a burguesia, o proletariado, a luta de classes...

Alguém era comunista para fazer raiva a seu pai.
Alguém era comunista porque via apenas RAI TRE (TVs italianas de direita.

Alguém era comunista por moda, outro por princípio, outro por frustração.

Alguém era comunista porque queria estatizar tudo.
Alguém era comunista porque não conhecia os empregados das estatais, paraestatais e afins.

Alguém era comunista pois havia trocado o Materialismo Dialético pelo Evangelho segundo Lênin.

Alguém era comunista pois estava convicto de ter dentro de si a classe operária.
Alguém era comunista porque era mais comunista que o outro.
Alguém era comunista porque era o grande Partido Comunista.
Alguém era comunista apesar de ser o grande Partido Comunista.

Alguém era comunista porque não havia nada de melhor.

Alguém era comunista porque tínhamos o pior Partido Socialista da Europa.
Alguém era comunista pois um Estado pior que o nosso, só em Uganda.

Alguém era comunista pois não se agüentava mais depois de quarenta anos de governo Democrata Cristão, incapaz e mafioso.

Alguém era comunista porque Piazza Fontana, Brescia, a Estação de Bologna, o Italicus, Ustica, etc. Etc. Etc.

Alguém era comunista pois quem era contra era comunista

Alguém era comunista porque não suportava mais aquela coisa porca que teimávamos chamar democracia.

Alguém acreditava ser comunista, e talvez fosse qualquer outra coisa.

Alguém era comunista pois sonhava com uma liberdade diferente daquela americana. 
Alguém era comunista porque acreditava poder ser vivo e feliz por estar junto do outro.


Alguém era comunista pois tinha um impulso para alguma coisa de novo. Porque sentia a necessidade de uma moral diferente. Porque talvez fosse apenas uma força, uma vontade, um sonho, só um lançar-se, um desejo de mudar a coisa, de mudar a vida.

Sim, alguém era comunista porque, ao lado deste lançar-se, era como... mais que ele agora. Era como... duas pessoas em uma. De uma parte a vida quotidiana e de outra o senso de pertencer a uma raça que queria saciar a vontade de mudar verdadeiramente a vida.


Não. Nada muda. Talvez ainda agora muitos tenhamos aberto as azas sem ser capazes de voar...  como gaviões hipotéticos.

E agora? Ainda agora nos sentimos como se fossemos dois. 


De uma parte o homem enquadrado que atravessa esquálido a sobrevivência quotidiana


E de outra o gavião sem mesmo a intenção de vôo pois o sonho se retraiu.



===

O sarcasmo mordaz desses gênios merece reflexão.
Um texto escrito na ocasião da morte de Aldo Moro pelas Brigadas Vermelhas.
Os autores ficaram com muita dúvida em tratar ou não do tema.
Deixaram passar bastante tempo para dar a conhecer esse texto.
Luporini conta que seria muito duro para o povo italiano lançar no momento em que foi escrito.



Paulo Cesar Fernandes

21/05/2015

Nenhum comentário:

Postar um comentário