quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Jornada Sertaneja

Lamento sertanejo
Música do inspirado Dominguinhos
Letra de Gilberto Passos Gil Moreira meu sempre guru desde Domingo no Parque e antes.
Eu me intrometendo pra mo de contar um causo. Um sertanejo como eu e tantos.

Por ser de lá
Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato 
Da caatinga do roçado.

Somos todos um pouco assim. Um pouco do mato, como o pato e o leão de Refazenda (e da-lhe Gil). Temos todos uma nostalgia da natureza que perdemos na urbanização forçada. Psicanálise da Soc Contemporânea do Erich Fromm fala bem disso. Desse apartamento da natureza, essa insatisfação, esse contentamento sempre descontente, como diz outro bom poeta, e vamos seguindo a vida na busca de uma felicidade.
E por que razão não a encontramos se tanto a buscamos?
Buscamos fora de nós, e sempre fora de nós.
E sempre preocupados apenas com nossa felicidade, e não com essa mesma qualidade habitando muitos ou todos os corações. 
E temos medo do mundo, o que não é de se estranhar.
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado.
Eu que sai do agreste nordestino, sem mala, pois os pertencesme cabiam numa sacola de feira. Chego ao Rio sem conhecer vivalma. Coração sempre aos sobressaltos, pois o novo sempre apavora os viventes. Mente quem nega! Eram noites escolhendo um lugar menos inseguro, e um sono sempre entrecortado pelo som da cidade. Mas quem quer saber dos escritos de um eira nem beira como eu. Nada a esperar!
Um bar e uma sorte me trouxeram um jornalista. Ele falou comigo, leu algumas coisas e mandou procurar o Nelson naquele endereço. A roupa menos ruim no corpo e a sacola de feira na Rodoviária. No prédio fui pela escada mesmo. Passar vergonha logo no primeiro encontro.
Mostrei meus escritos pro Nelson, o mesmo cara do bar, e ele chamou outro, e mais outro, e eram seis contra mim, cada um com meus escritos na mão e eu tremia de medo. Eu não estava entendendo nada. E ninguém me explicava.
Me deram o nome de uma pensão e algum dinheiro. Na pensão a mulher falou que o primeiro mes já tava pago. O jornal sempre pagava o primeiro mes prá empregado que vinha de fora. Tava empregado.
Não mais dormir na  rua. Um quarto e um banho. Meus pensamentos rápidos foram cortados pela voz rude da mulher:
_ Mas só esse mes viu! - bradava.
Baixei cabeça e fui pelos pertences da Rodoviária.
Numa cidade onde tudo é novidade não me faltava assunto.
Escrevia muito, assunutos diferentes, sempre levava coisas e coisas. A angústia como tema central em muitos momentos. Pois assim foi, que um sem eira nem beira ganhou uma coluna no jornal.
Mas o agreste nunca deixou de mim, e de meus escritos. Meus escritos, meu agreste e eu somos uma e uma só coisa. Separados desagrega tudo.
Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo.
E o novo jeito, os gosto, os hábitos então. Pois cama é diferente de rede. Corpo ficava reto.
Começo dormia não seu  moço! Dia seguinte uma lerdeza no corpo, prá andar na cidade, prá pensar então.
No jornal foram bons comigo. Pegavam coisas do primeiro e segundo dias e tascavam lá. Como se fosse nova matéria. É assim que chamavam meus escritos. Eram matéria.
Na pensão olhava minhas "matéria" com carinho. Apois eu vivia é delas mesmo. E o tempo se deslocava,  ia como rio, ora lento, ora em ebulição. E eu gostava da agitação no jornal. Eu ria da correria. E lembrava das tarde quieta do meu agreste. Mas aqui tinha dinheiro e trabalho registrado. Tava lá Jornalista. Eu me orientava por gente mais sabida que eu.
_  E vou prá onde Seu Nelson? - fiquei sabendo que ele era coisa grande, e me dei de chamar ele de Seu Nelson, é mais respeitoso. Eu acho que é! Ele gostou. E respondia.
_ Moleque. Eu é que sei? O reporter, o cronista quem é? Pega um ônibus e trata de não se perder por aí. Mas se acontecer, pega logo um taxi, mas com material na mão. De mãos vazias não me venhas nunca.
Aprendi. Meu trabalho tinha valor, pelo menos pro seu Nelson.
Tinha medo de falar, assim, na frente de todo mundo. Mas ouvia tudo. Tudo mesmo.
  
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão,
boiada caminhando a esmo.


Sei de meu silencio incomodar os falastrão do lugar. Sempre me perguntando coisa de meu passado, de minha terra. De familia. Bravo. Só um dia, prá nunca mais metido a palhaço quere mangá en cima de mim. De mim não, pensei já bravo, e gritei prá acaba com aquilo de vez. Voz calma mas firme, como falasse com boi arredio:
_ Escuta aqui seu almofadinha metido a besta comigo. Tu cuida é da tua vida, que se quiser ficar cuidando da minha quem acaba com a tua sou eu. E com alegria faço isso!
Olhei um por um no olho. A sala inteira. Devagar. Só os olhos sorriam do prazer da vitória. Cenho franzido mostrava o sério que me ia dentro.
_ E isso serve bem pra cada um de voces, igual, igual. Este que vos fala é Pedro Alvarenga, mais novo em idade, mais novo aqui dentro, e mais sério que todos voces juntos.Entenderam?

Eu acho que sim.
Não ouvi uma palavra. Uns baixaram os olhos apenas, outros se foram da sala de cabeça baixa.
Ficava definido quem era homem e quem era moleque ali dentro.
Seu Nelson mesmo passou a me chamar de Pedro.
_ Por favor, Pedro, na Gamboa está ocorrendo...

Desse rebanho eu sou mesmo res desgarrada.
Esse pasto que eles vivem não serve a um Alvarenga como eu.
Sou melhor que ninguém não! Mas pior é que não sou, a isso não!
Diz Seu Nelson que é ciumera.
Tchá... Ganham muito mais que eu. Casa boa. Carro. Falam até na TV alguns deles e vem com ciumera. Dum cabra que mora em pensão. E tem uma coluninha no jornal. E mais nada nesse mundão velho...
Só mesmo rindo, seu moço leitor, só mesmo rindo....


Paulo Cesar Fernandes

10/08/2012

Nota posterior:
Euclides da Cunha disse que "o sertanejo é entes de mais nada um forte..." mas isto não se limita ao aspecto da resistência fisica apenas, é muito mais que isso, pois preserva valores, cultos e tradições a muito desvanecidas em  outras paragens. Mesmo adulto pede a benção aos pais. Não por exigência, mas por respeito e devoção. Muitos afirmam mesmo:
_ É Deus nos céus, e meus pais na Terra, e ai de quem lhes toque. É falta de juizo desrespeitar o sagrado de alguém. É porisso que respeito teus pais, bem como teus deuses. E vivemos bem.

Pude ver de perto nordestinos de poucas letras, poucas palavras e muito acerto no agir. Trabalhar em obras, em empreiteiras faceamos todo tipo de gente. E com todos algo aprendemos. São as facetas multiplas de aprendizado que a existência nos oferece.

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