segunda-feira, 18 de junho de 2012

Todo dia ela faz tudo sempre igual

Vida cotidiana

                                                                                                                 Todo dia ela faz tudo sempre igual
                                                                                          Me sacode às seis horas da manhã...
                                                                                                                           Chico Buarque
Ele. Exatamente ele, o cotidiano, é capaz de mastigar rapidamente qualquer possibilidade de  fuga à mediocridade. Todas as energias do homem são tragadas pelo excesso de atividades do universo diário. Pelo cotidiano somos escravizados à mediocridade, desatentos que somos a isso.
Segundo Agnes Heller[1]:
"A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o  homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se "em funcionamento" todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões , idéias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-los em toda sua intensidade."

Fica então o homem comum ali, com todas as coisas na mão, mas nada realiza fora do âmbito das atividades rotineiramente definidas. É feliz, tal a sua incapacidade de perceber de que universo esta vida do dia a dia o está afastando, ou mesmo interditando.
Parar e pensar. Se debruçar em sua existência vendo-a de uma maneira mais ampla e com possibilidades de realizações com as quais nem sonha.
A rotina diária acaba por se tornar num antolho, tal qual usado nos cavalos, e o homem comum, dentro de sua feliz habitualidade, vai vivendo sua vida: um futebolzinho no fim de semana, uma birita depois; um afago na mulher quando está sóbrio. E assim “toca” a semana, sem se tocar, sem se aperceber e sem aventar a si mesmo possibilidades maiores.
Não é só da política que se afasta, mas de si, de sua vida, de sua espiritualidade, deixando claro que essa espiritualidade nada tem a ver com religião, mas sim com as possibilidades do pensar, do repensar negando o pensamento anterior; refletir enfim; esse grande jogo que nós humanos  somos capazes de jogar no momento que nos aprouver.
Sei que é do trabalho que brota o sustento da casa. Mas mesmo dentro do emaranhado tempo dedicado ao aspecto profissional somos capazes de abstrair e extrair uma palavra, uma idéia, um conceito, algo de novo para enriquecer nosso universo cultural.
Não será massacrante a cotidianidade para sempre. Racionais que somos, seremos capazes de saltos de qualidade em nosso viver, fazendo com que este adquira o patamar existencial.
Somos seres existenciais. Existir está num patamar bastante superior ao simples viver. As plantas vivem; vivem os animais. O homem é o único que sabendo de si, reflete sobre sua existência, sobre seu destino, o passado, o futuro, a morte, tudo isso são preocupações inerentes ao reino hominal.
E mesmo sob momentos de trabalho intenso, somos capazes de saltar fora do círculo de fogo profissional, e, postados no alto de alguma colina reavaliar nosso viver convertendo-o num existir.
Neste momento nosso cotidiano não mais será mastigado, isto porque, nossa razão matou a rotina, nos abrindo outros horizontes, inclusive uma possível potencialidade criativa.
Paulo Cesar Fernandes
18/06/2012


[1] Heller, Agnes “O cotidiano e a História”, pag. 17

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