terça-feira, 12 de junho de 2012

A modernidade líquida - Sua característica

Este texto em azul não é meu, é de autoria de Zygmunt Bauman em seu livro "Modernidade líquida". O que me fascina no trabalho de Bauman é que este não estabelece juizo de valor acerca dos itens por ele tratados. Ele deteta fatos e os expoe a seus leitores. Deixa a análise desses fatos a cargo dos leitores. Cada qual tirará suas conclusões a partir de seus valores. Aprenderei esta lição!

Páginas 69 e 70:

O fordismo era a autoconsciência da sociedade moderna em sua fase "pesada", "volumosa”, ou "imóvel" e "enraizada", "só1ida”. Nesse estágio de sua história conjunta, capital, administração e trabalho estavam, para o bem e para o mal, condenados a ficar juntos por muito tempo, talvez para sempre - amarrados pela combinação de fábricas enormes, maquinaria pesada e força de trabalho maciça. Para sobreviver, e principalmente para agir de modo eficiente, tinham que "cavar", desenhar fronteiras e marcá-las com trincheiras e arame farpado, ao mesmo tempo em que faziam a fortaleza suficientemente grande para abrigar todo o necessário para resistir a um cerco prolongado, talvez sem perspectivas. O capitalismo pesado era obcecado por volume e tamanho, e, por isso, também por fronteiras, fazendo-as firmes e impenetráveis. O gênio de Henry Ford foi descobrir o modo de manter os defensores de sua fortaleza industrial dentro dos muros - para guardá-los da tentação de desertar ou mudar de lado. Como disse o economista da Sorbonne Daniel Cohen:

Henry Ford decidiu um dia "dobrar" os salários de seus trabalhadores. A razão (publicamente) declarada, a célebre frase "quero que meus trabalhadores sejam pagos suficientemente bem para comprar meus carros" foi, obviamente, uma brincadeira. As compras dos trabalhadores eram uma fração ínfima de suas vendas, mas os salários pesavam muito mais em seus custos ... A verdadeira razão para o aumento dos salários foi a formidável rotatividade de força de trabalho que a Ford enfrentava. Ele decidiu dar o aumento espetacular aos trabalhadores para fixá-los à linha ...

A corrente invisível que prendia os trabalhadores a seus lugares e impedia sua mobilidade era, nas palavras de Cohen, "o coração do fordismo". O rompimento dessa corrente foi também o divisor de águas decisivo na experiência de vida, e se associa à decadência e extinção aceleradas do modelo fordista. "Quem começa uma carreira na Microsoft", observa Cohen, "não sabe onde ela vai terminar. Começar na Ford ou na Renault implicava, ao contrário, a quase certeza de que a carreira seguiria seu curso no mesmo lugar”.


Nas páginas 76-78 temos:

Não faltam, obviamente, pessoas que afirmam "estar por dentro”, e muitas delas têm legiões de seguidores prontos a lhes fazer coro. Tais pessoas "por dentro”, mesmo aquelas cujo conhecimento não foi posto publicamente em dúvida, não são, no entanto, líderes-, elas são, no máximo, conselheiros - e uma diferença crucial entre líderes e conselheiros é que os primeiros devem ser seguidos e os segundos precisam ser contratados e podem ser demitidos. Os líderes demandam e esperam disciplina; os conselheiros podem, na melhor das hipóteses, contar com a boa vontade do outro de ouvir e prestar atenção. E devem primeiro conquistar essa vontade bajulando os possíveis ouvintes. Outra diferença crucial entre líderes e conselheiros é que os primeiros agem como intermediários entre o bem individual e o "bem de todos”; ou, (como diria C. Wright Mills) entre as preocupações privadas e as questões públicas. Os conselheiros, ao contrário, cuidam de nunca pisar fora da área fechada do privado. Doenças são individuais, assim como a terapia; as preocupações são privadas, assim como os meios de lutar para resolvê-las. Os conselhos que os conselheiros oferecem se referem à política-vida, não à Política com P maiúsculo; eles se referem ao que as pessoas aconselhadas podem fazer elas mesmas e para si próprias, cada uma para si - não ao que podem realizar em conjunto para cada uma delas, se unirem forças.

Em um dos maiores sucessos entre os popularíssimos livros de auto-ajuda (vendeu mais de cinco milhões de cópias desde sua publicação em 1987), Melody Beattie adverte/aconselha seus leitores: "A maneira mais garantida de enlouquecer é envolver-se com os assuntos de outras pessoas, e a maneira mais rápida de tornar-se são e feliz é cuidar dos próprios". O livro deve seu sucesso instantâneo ao titulo sugestivo (Codependent no More), que resume seu conteúdo: tentar resolver os problemas de outras pessoas nos torna dependentes, e a dependência oferece reféns ao destino - ou, mais precisamente, a coisas que não dominamos e a pessoas que não controlamos; portanto, cuidemos de nossos problemas, e apenas de nossos problemas, com a consciência limpa. Há pouco a ganhar fazendo o trabalho de outros, e isso desviaria nossa atenção do trabalho que ninguém pode fazer senão nós mesmos. Tal mensagem soa agradável – como uma confirmação, uma absolvição e uma luz verde necessária - a todos os que, sós, são forçados a seguir, a favor ou contra seu próprio juízo, e não sem dor na consciência, a exortação de Samuel Butler: "No fim, o prazer é melhor guia que o direito ou o dever."


HARDWARE – Modernidade pesada
Até onde pude apreender, antes o espaço tinha importância pois requisitava um tempo (Delta t) para ser percorrido, para que houvesse o deslocamento de um ponto a outro.
A administração de uma fábrica, por exemplo, requisitava pequeno batalhão de cargos intermediários para que esta cumprisse seus objetivos. E caso houvesse um erro/desvio no processo de produção, era necessário um tempo para a descoberta de tal erro.

SOFTWARE – Modernidade leve
O processo tecnológico eliminou a barreira do espaço. Posso administrar perfeitamente uma fábrica na Suíça, estando eu na matriz de Berlim, por exemplo; isto, desde que eu me valha dos adequados instrumentos  capazes de me trazer a informação da ocorrência do erro/desvio no exato instante em que este ocorra.


Ford expressava em voz alta os pensamentos que outros acalentavam, mas só se permitiam murmurar; ou, melhor, pensou o que outros na mesma situação sentiam, mas eram incapazes de expressar em palavras. O empréstimo do nome de Ford para o modelo universal das intenções e práticas típicas da modernidade sólida ou do capitalismo pesado é apropriado. O modelo de Henry Ford de uma ordem nova e racional criou o padrão para a tendência universal de seu tempo: e era um ideal que todos ou pelo menos a maioria dos outros empresários lutavam, com graus variados de sucesso, para alcançar. O ideal era o de atar capital e trabalho numa união que - como um casamento divino - nenhum poder humano poderia, ou tentaria, desatar.

A modernidade sólida era, de fato, também o tempo do capitalismo pesado – do engajamento entre capital e trabalho fortificado pela mutualidade de sua dependência. Os trabalhadores dependiam do emprego para sua sobrevivência; o capital dependia de empregá-los para sua reprodução e crescimento. Seu lugar de encontro tinha endereço fixo; nenhum dos dois poderia mudar-se com facilidade para outra parte - os muros da grande fábrica abrigavam e mantinham os parceiros numa prisão compartilhada. Capital e trabalhadores estavam unidos, pode-se dizer, na riqueza e na pobreza, na saúde e na doença, até que a morte os separasse. A fábrica era seu habitat comum - simultaneamente o campo de batalha para a guerra de trincheiras e lar natural para esperanças e sonhos.

PRECARIEDADE

A precariedade é a marca da condição preliminar de todo o resto: a sobrevivência, e particularmente o tipo mais comum de sobrevivência, a que é reivindicada em termos de trabalho e emprego. Essa sobrevivência já se tornou excessivamente frágil, mas se torna mais e mais frágil e menos confiável a cada ano que passa. Muitas pessoas, quando ouvem as opiniões contraditórias dos especialistas, mas em geral apenas olhando em volta e pensando sobre o destino de seus entes próximos e queridos, suspeitam com boas razões que, por mais admiráveis que sejam as caras e as promessas que os políticos fazem, o desemprego nos países prósperos tornou-se "estrutural": para cada nova vaga há alguns empregos que desapareceram, e simplesmente não há empregos suficientes para todos. E o progresso tecnológico - de fato, o próprio esforço de racionalização - tende a anunciar cada vez menos, e não mais, empregos.

Quão frágeis e incertas se tornaram as vidas daqueles já dispensáveis como resultado de sua dispensabilidade não é muito difícil de imaginar. A questão é, porém, que - pelo menos psicologicamente - todos os outros também são afetados, ainda que por enquanto apenas obliquamente. No mundo do desemprego estrutural ninguém pode se sentir verdadeiramente seguro. Empregos seguros em empresas seguras parecem parte da nostalgia dos avós; nem há muitas habilidades e experiências que, uma vez adquiridas, garantam que o emprego será oferecido e, uma vez oferecido, será durável. Ninguém pode razoavelmente supor que está garantido contra a nova rodada de "redução de tamanho”, "agilização" e "racionalização”, contra mudanças erráticas da demanda do mercado e pressões caprichosas mas irresistíveis de "competitividade”, "produtividade" e "eficácia”. "Flexibilidade" é a palavra do dia. Ela anuncia empregos sem segurança, compromissos ou direitos, que oferecem apenas contratos a prazo fixo ou renováveis, demissão sem aviso prévio e nenhum direito à compensação. Ninguém pode, portanto, sentir-se insubstituível - nem os já demitidos nem os que ambicionam o emprego de demitir os outros. Mesmo a posição mais privilegiada pode acabar sendo apenas temporária e "até disposição em contrário".

 

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