domingo, 10 de janeiro de 2016

10/01/2016 Relendo


Disparada 

Compositor: Geraldo Vandré   e   Theo de Barros


Foto: Araquém Alcantara: Iluminuras 

Publicada no Facebook em 10/01/2016

Inspiração do texto a foto. 

E a lembrança de Guimarães Rosa.



Prepare o seu coração pras coisas que eu vou contar
Eu venho lá do sertão, eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão e posso não lhe agradar
Aprendi a dizer não, ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo, a morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar, eu vivo pra consertar


=
Com as agruras da vida acostumado 
não fala o sertanejo de coisas tronchas 
ou falas sem sentido.
Tudo nele tem um motivo, 
uma razão profunda
 e um querer lá dentro esgarçado 
de vontade de dizer. 
Mas não diz.
Quer não ferir ninguém.
Sabe ser a palavra de corte profundo e cala. 
De bom grado se faz silente. 
Observa tudo detalhe a detalhe, 
e prefere ser solicitado a opinar.
=

Na boiada já fui boi, mas um dia me montei
Não por um motivo meu, ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse, porém por necessidade
Do dono de uma boiada cujo vaqueiro morreu


=
A morte e a vida, 
nos embrenhados do Brasil que ninguém vai
 é coisa do dia a dia.
Já nem tem no rádio ou televisão. 
Tão comum que já é.
Falar prá que?
Bora viver, é bem melhor!
=

Boiadeiro muito tempo, laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente, pela vida segurei
Seguia como num sonho, e boiadeiro era um rei
Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E nos sonhos que fui sonhando, as visões se clareando
As visões se clareando, até que um dia acordei


=
De menino? 
Inocente como o anjo do Padre Eutáquio. 
Nada de mal via no mundo. 
E acho inda hoje, nem tinha mesmo. 
Sei não mais.

Mas de tanto ver sangue na terra, 
regando as planta da estrada eu fui ficano ladino.
E não olho mais sem desconfiança. 
E prá ninguém. 
Não condeno e não absolvo. 
Isso é lá com outro povo, não com meu povo.
Das coisas que vejo nada me passa sem atinar.
Cada sorriso falso, cada ato mentiroso farejo como cão de caça.
Assim somos os sertanejos verdadeiros. 
Tonto? 
Nenhum, e ninguém se faz de esperto.
Espera o tempo, o caminho e a hora.
E, se for o caso, vai à forra:
Aí fica desgraçado!
=

Então não pude seguir valente em lugar tenente
E dono de gado e gente, porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata, mas com gente é diferente
Se você não concordar não posso me desculpar
Não canto prá enganar, vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado, vou cantar noutro lugar


=
Mas o tempo muda a gente.
Chove o branco nos cabelo.
A raiva desvanece.
E o coração fica mole de novo.
Tal como criança foi.
Não raiva. 
Não briga. 
Não façanha.
A rede, a conversa das lembrança; 
e o rio, cantando ali longe.
É tempo de descanso.
=

Na boiada já fui boi, boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém, que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse, por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu querer ir mais longe do que eu


=
Cumpanherada na varanda.
Caso verdade e caso mentira.
E ansi o tempo vai.
No anoitece que amanhece.
No sem parar da vida.
=

Mas o mundo foi rodando nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte num reino que não tem rei

===



Escrevi como pude, algumas coisas vividas, olhadas e sentidas; desse Brasil profundo que apenas poucos conhecem.

E quem conheçe moço, aprende a amar seu povo, com irmandade tamanha, tão grande como Padre Eustáquio dizendo:

_ Vai com Deus filho meu!


===

Pequena homenagem a Theo de Barros e Geraldo Vandré pela música ontem escutada na TV Cultura.

Com a imagem mineira do santista Araquém Alcântara, a quem também homenageio, algo brotou em mim de pura sertanejia.

Peço vossa licença para me valer da vossa obra como mote inspiracional.

Paulo Cesar Fernandes.

10/01/2016.

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