sábado, 21 de junho de 2014

20140621 Eu, naquele tempo tinha 25 anos

Eu, naquele tempo tinha 25 anos

 
Pintura de Sandro Luporini da imagem de Gaber
 
 

Eu naquela época estava com 60 anos.
Estávamos nos anos 2000, praticamente agora.
E vendo as novas gerações de 25 anos de agora me pergunto:
que herança deixamos aos nossos filhos?




Talvez, em alguns casos algum bem estar.
Mas não é esse o ponto.
Quero falar de uma ideia, um sentimento, uma moral, uma visão de mundo...



Não, eu não sei de tudo isso.
Mas agora, onde teremos errado?
Sim: o antigo coro da tragédia grega.
Os filhos devem pagar pelos erros dos pais.


Talvez tenhamos sido pais insensíveis, autoritários,
comandantes de instituições estúpidas?
Não. Onde estão agora as nossas culpas? os nossos erros?
Num dado momento era muito fácil para nós sermos pacifistas, antiautoritários e democráticos.



Nossos pais haviam feito a resistência (ao fascismo, nazismo se refere o autor)
Por que ao invés de defender nosso empenho libertário não olhamos mais atentamente o avanço do desenvolvimento insensato?

Por que ao invés de falarmos do bem e do mal não levantamos um muro contra a mão invisível e sem podor do mercado?
Por que enquanto advertíamos sobre os problemas do consumo,
comprávamos motinhos para nossos filhos?

Por que não mais nos rebelamos contra a violência dos objetos de consumo?

O mercado agradece.
Demos nossa preciosa contribuição.



Mas voces.
Sim, voces como filhos, não tem uma única culpa.

Onde está o sinal de uma vida diferente?
Talvez eu é que não vejo. Me respondam:
onde está o sinal de algo que vai renascer?
onde está vossa luta individual contra um inimigo?
Que resistência fizeram contra o Poder, contra a ideologia dominante, contra a nadificação do indivíduo?


Concordo, nada posso cobrar da vossa impotência.
Devo pensar na minha.
Mas me expliquem por que vos deixastes abandonar assim, numa inércia silenciosa e passiva?
Por que se resignaram a essa vida madíocre, sem sombra de um desejo, reivindicação, uma proposta qualquer?

Talvez seja meu interior a pedir algo mais espetacular, mais raivoso, mais violento?
Não!

Mais vital, mais rigoroso, algo que possa exprimir uma recusa, uma indignação, uma dor...



Qual dor?
Enfim não mais sabemos o que é a dor!
Estamos presos a uma espécie de neurose, de depressão...
Certo! É a marca do nosso tempo.

E quando a neurose e a depressão se insinuam dentro de nós
tudo nos parece desprovido de significação.



Podemos dizer a mesma coisa da dor? Não!



A dor é visivel, clara, localizada,
enquanto a depressão evoca um mal sem local definido,
sem substância, sem nada...
salvo o fato de que é esse nada não identificável o que te corroe.

===

Autores do texto: Giorgio Gaber e Sandro Luporini

Giorgio Gaber morreu na passagem de 2002 para 2003.
Logo este texto é de 2001 ou 2002 um dos últimos de sua vida.
Da mesma época de "Não ensineis às crianças". Já postado.


Minha gratidão a esses
dois pensadores pelo tanto que ajudaram a
me construir intelectualmente,
dentre tantos outros pensadores e artistas.



Paulo Cesar Fernandes

21 06 2014


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