terça-feira, 21 de maio de 2013

Geraldo Vandré Canto Geral 1968



Geraldo Vandré   Canto Geral   1968



Canto Geral é o quarto LP gravado por Geraldo Vandré em 1968. O LP pode ser considerado o seu mais combativo em oposição à ditadura militar, marcado por uma forte tendência de esquerda, como é evidenciado com mais ênfase em "Cantiga Brava", "Guerrilheira", "Terra Plana" e "O plantador", que trata do problema agrário.

Faixas

LADO A
1.Terra Plana (Geraldo Vandré)
2.Companheira (Geraldo Vandré)
3.Maria Rita (Geraldo Vandré)
4.De Serra, de Terra e de Mar

             (Théo de Barros, Geraldo Vandré, Hermeto Pascoal)
5.Cantiga Brava (Geraldo Vandré)


LADO B
1.Ventania (De Como Um Homem Perdeu Seu Cavalo e Continuou Andando) (Hilton Accioli, Geraldo Vandré)
2.O Plantador (Hilton Accioli, Geraldo Vandré)
3.João e Maria (Hilton Accioli, Geraldo Vandré)
4.Arueira (Geraldo Vandré)
5.Guerrilheira (Hilton Accioli, Geraldo Vandré)


E quem disse que o ano de 1968 foi marcado apenas de psicodelia e iê-iê-iê?


Outra vertente forte da época foi a da música de protesto e não há maior representante desta música que Geraldo Vandré.

A palavra que, para mim, resume o disco é Raça. A primeira faixa é a tradução disso. O início de "Terra Plana", de autoria dele mesmo, é uma declamação;

"(...) deixo claro que a firmeza de meu canto vem da certeza que tenho, de que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que me fez cantador". Na contra-capa do disco, um texto seu; "(...)
Às vezes penso que cantando mereço um pouco de vida. Saldo em parte os meus compromissos e tenho então, cada vez mais forte, a sensação da liberdade. Por isso aprendo a cantar e canto."


É um disco forte. Vivo. Pulsante. Violas caipiras, triângulos, "ca-chi-chis" (como Vandré mesmo escreve), vocais em lamentos nordestinos... E, no meio de tudo, um aparato inusitado na época: uma queixada de burro, que fora utilizada pela primeira vez - se não me engano - no II Festival de Música Popular Brasileira de 1966, da TV Record, na música "Disparada", também de Vandré e cantada com maestria por Jair Rodrigues. Música que, aliás, ganhou o primeiro lugar empatada com "A Banda", de Chico Buarque.


Mas, além das músicas explicitamente inflamadas, como "Cantiga Brava" (O terreno lá de casa não se varre com vassoura / varre com ponta de sabre, bala de metralhadora) há também músicas de "amor", podendo-se assim dizer. É o que se vê em "Companheira" (Mas agora sou feliz/ e meu canto vem e diz/ encontrei a companheira/ paz pra minha vida inteira) e "Maria Rita" (Pego a viola, me lembro dela/ toco a viola, só quero ela).
Recomendadíssimas: "Arueira", cantiga forte, viva, - brava mesmo! - e que conta com os vocais perfeitos do Trio Marayá ("...é a volta do cipó de arueira no lombo de quem mandou dar..."), "Companheira", que soa quase como cantiga suave de ninar e a curiosa "Ventania (De como um homem perdeu seu cavalo e continuou andando)", que procura seguir a mesma fórmula da vencedora "Disparada", com um personagem principal que roda o mundo contando suas histórias. Esta música até concorreu o III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, mas não ganhou...

Detalhe para um excerto de Bertold Brecht, na contra-capa:


"Desses tempos em que falar de árvores é quase um crime, pois implica em silenciar sobre tantos erros - aos que virão depois de mim."


Este foi o ano de 1968.


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Ouvi este vinil na casa de um colecionador há alguns anos atrás. Fiquei impressionado com a força da interpretação do Geraldo Vandré e sua poesia combativa, com versos planfetários e apaixonados pela luta libertária. CANTO GERAL é um registro, verdadeiro manifesto, do sentimento popular nos anos de chumbo da ditadura militar. Numa época em que o silêncio era a opção mais segura, que as metáforas eram a forma mais viável de expressão, o autor de “Pra não dizer que não falei das flores”, ousou gritar alto e falar diretamente sobre liberdade, luta de classes, opressão. Era o ano do AI5, os direitos fundamentais se sepultavam debaixo dos atos grotescos da repressão, falar de política, de democracia e igualdade em uma canção já era por demais ousado, quem diria, fazer um disco inteiro temático sobre isso!
 O ponto de partida de Geraldo Vandré foi a obra homônima de Pablo Neruda, de 1950, no qual o poeta já se rebelava contra a opressão sofrida pelo povo Chileno e Latino americano. As sangrentas ditaduras militares patrocinadas pelas potencia norte americanas e europeias, eram a grande chaga dos povos latinos americanos, que apesar de sofrerem as penas do subdesenvolvimento ainda tinham sua liberdade e sua vida tolhidas por ditadores atrozes.
 Em “Terra Plana”, primeira faixa do LP, Geraldo Vandré se apresenta em um discurso efusivo: “Me pediram pra deixar de lado toda a tristeza, pra só trazer alegrias e não falar de pobreza. E mais, prometeram que se eu cantasse feliz, agradava com certeza. Eu que não posso enganar, misturo tudo o que vivo. Canto sem competidor, partindo da natureza do lugar onde nasci. Faço versos com clareza, à rima, belo e tristeza. Não separo dor de amor. Deixo claro que a firmeza do meu canto vem da certeza que tenho, de que o poder que cresce sobre a pobreza e faz dos fracos riqueza, foi que me fez cantador. “

Em “Cantiga Brava” é o guerrilheiro que se manifesta:

“O terreiro lá de casa
 Não se varre com vassoura,
 Varre com ponta de sabre
 E bala de metralhadora.”


A questão agrária foi outro tema tratado por Gerado Vandré, neste LP, em “O plantador”:
“Quanto mais eu ando,
 Mais vejo estrada
 E se eu não caminho,
 Não sou é nada.
 Se tenho a poeira
 Como companheira,
 Faço da poeira
 O meu camarada.
 Se tenho a poeira
 Como companheira,
 Faço da poeira
 O meu camarada.
 O dono quer ver
 A terra plantada.
 Diz de mim que vou
 Pela grande estrada:
 "Deixem-no morrer,
 Não lhe dêem água,
 Que ele é preguiçoso
 E não planta nada."
 Eu que plantei tudo
 E não tenho nada,
 Ouço tudo e calo,
 Na caminhada.
 Deixem que ele diga,
 Que eu sou preguiçoso,
 Mas não planto em tempo
 Que é de queimada.”


E assim, desfilam versos carregados de rancor contra os opressores, como “Eu já fui até soldado, hoje muito mais amado sou chofer de caminhão”, que culminam na “Volta do cipó de arueira no lombo de quem mandou dá”, até o encontro do amor romântico, uma verdadeira heresia para o marxistas mais ferrenhos, em “Guerrilheira” e “Companheira”, e ainda, o choro solitário do cantador que se opõe ao romantismo vulgar que já permeava os “sertanejos” da época: “Quem disse que foi viola, quem disse que foi amar, viola, só me consola e o amor não faz chorar... “
Canto Geral, do Geraldo Vandré, canções que vão além disso.
PENHA DE CASTRO · São Luís, MA
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