sábado, 1 de julho de 2017

Rev. Espírita 1869 Março Rossini



Um incentivo ao progresso e à evolução. Para nós, aqui no início da escalada, pode nos parecer fantasioso. Mas, paremos a olhar o movimento das nuvens, talvez consigamos ter, uma tênue 
percepção do mostrado, ou dito por Rossini. [PC]












A MÚSICA E AS HARMONIAS CELESTES.

(Paris, grupo Desliens, 5 de janeiro de I869. - 
Médium Sr. Desliens.)

Tendes razão, senhores, de me lembrar minha promessa, porque o tempo, que passa tão rapidamente no mundo do espaço, tem minutos eternos para aquele que sofre sob o aperto da prova! Há alguns dias, algumas semanas, eu contava como vós; cada dia
acrescentava toda uma série de vicissitudes às vicissitudes já suportadas, e a taça ia se enchendo piano, piano.


Ah! vós não sabeis o quanto um elogio de grande homem é pesado para carregar! Não desejeis a glória; não sejais conhecidos; sede úteis. A popularidade tem os seus espinhos, e, mais de uma vez, me encontrei pisado pelas carícias muito brutais da multidão.


Hoje, a fumaça do incenso não me embriaga mais. Eu pairo sobre as mesquinharias do passado, e é um horizonte sem limite que se estende diante de minha insaciável curiosidade. Também, as horas caem por grupos na ampulheta secular, e sempre procuro, sempre estudo, sem jamais contar o tempo escoado.


Sim, eu vos prometi; mas quem pode se gabar de ter uma promessa, quando os elementos necessários para cumpri-la pertencem ao futuro? O poderoso do mundo, ainda sob o sopro das adulações dos cortesões, pode querer mitigar o problema corpo a corpo; mas não era mais de uma luta factícia que se tratava aqui; não havia bravos, barulhentas aclamações para me encorajar e ocultar a minha fraqueza. Era, e é ainda a um trabalho sobre-humano que ataquei; é contra ele que luto sempre, e se espero dele triunfar, não posso no entanto dissimular o meu esgotamento. Estou abatido... agoniado!... repouso antes de explorar de novo; mas, se hoje não posso vos falar do que será o futuro, saberei talvez apreciar o presente: ser crítico, depois ter sido criticado. Vós me julgareis, e me aprovareis se eu for justo, o que tentarei fazer evitando as personalidades.


Por que tantos músicos e tão poucos artistas? tantos compositores, e tão poucas de verdades musicais? Ai de mim! é que não é, como se acredita, da imaginação que a arte pode nascer; não há outro senhor e outro criador senão a verdade. Sem ela, nada é, ou não é senão uma arte de contrabando, de imitação, da contrafação. O pintor pode iludir e mostrar o branco, onde ele não colocou senão uma mistura de cores sem nome; as oposições de nuanças criam uma aparência, e foi assim que Horace Vernet, por exemplo, pôde fazer parecer de um branco brilhante um magnífico cavalo baio.


Mas a nota não tem senão um som. O encadeamento dos sons não produz uma harmonia, uma verdade, senão se as ondas sonoras se fizerem o eco de uma outra verdade. Para ser músico, não basta mais alinhar as notas sobre uma pauta, de maneira a conservar a justeza das relações musicais; somente assim se consegue produzir ruídos agradáveis; mas é o sentimento que nasce sob a pena do verdadeiro artista, é ele que canta, que chora, que ri... ele assobia na folhagem com o vento agitado; ele pula com a vaga espumante; ele ruge com o tigre furioso!... Mas para dar uma alma à música, para fazê-la chorar, rir, uivar, é preciso em si mesmo ter sentido estes diferentes sentimento,de dores, de alegria, de cólera!


É o riso nos lábios e a incredulidade no coração que personificareis um mártir cristão? Será um cético de amor que fará um Romeu, uma Julieta? É um boêmio negligente que criaria a Margarida de Fausto? Não! É preciso a paixão inteira àquele que faz vibrar a paixão!... E eis porque, quando se enegrece tantas folhas, as obras são tão raras e as verdades excepcionais: é que não se crê, é que a alma não vibra. O som que se ouve é o do ouro que tine, do vinho que crepita!... A inspiração é a mulher que se compõe uma beleza mentirosa; e, como não se possui senão os defeitos e as virtudes maquilados, não se produz senão um folheado, senão uma maquilagem musical. Raspai a superfície, e logo tereis encontrado o calhau.

ROSSINI.



(17 de janeiro de 1869. - Médium, Sr. Nivard.)


O silêncio que guardei sobre a pergunta que o Mestre da Doutrina Espírita me dirigiu foi explicado. Era conveniente, antes de abordar esse difícil assunto, me recolher, me lembrar, e condensar os elementos que estavam sob minha mão. Eu não tinha que estudar a música, somente tinha que classificar os argumentos com método, a fim de apresentar um resumo capaz de dar a idéia de minha concepção sobre a harmonia. O trabalho, que não fiz sem dificuldade, está terminado, e estou pronto para submetê-lo à
apreciação dos espíritas.


A harmonia é difícil de definir; freqüentemente é confundida com a música, com os sons, resultante de um arranjo de notas, e das vibrações de instrumentos reproduzindo esse arranjo. Mas a harmonia não é isto, não mais do que a chama não é a luz. A chama resulta da combinação de dois gases; ela é tangível; a luz que ela projeta é um efeito dessa combinação, e não a própria chama: ela não é tangível. Aqui, o efeito é superior à causa. Assim o é na harmonia; ela resulta de um arranjo musical, é um efeito que é
igualmente superior à sua causa: a causa é brutal e tangível; o efeito é sutil e não é tangível.


Pode-se conceber a luz sem chama e compreende-se a harmonia sem música. A alma está apta para perceber a harmonia fora de todo concurso fora de instrumentação, como ela está apta a ver a luz fora de todo concurso de combinações materiais. A luz é um sentido íntimo que a alma possui; quanto mais esse sentido está desenvolvido, melhor ela percebe a luz. A harmonia é igualmente um sentido intimo da alma: ela é percebida em razão do desenvolvimento desse sentido. Fora do mundo material, quer dizer, fora das causas tangíveis, a luz e a harmonia são de essência divina; elas são possuídas em razão dos esforços que se fez para adquiri-las. Se eu comparo a luz e a harmonia, é para melhor me fazer compreender, e também porque essas duas sublimes alegrias da alma são filhas de Deus, e, por conseqüência, são irmãs.


A harmonia do espaço é tão complexa, ela tem tantos graus que conheço, e muito mais ainda que me estão ocultos no éter infinito, que aquele que está colocado a uma certa altura de percepção, é como tomado de admiração contemplando essas harmonias diversas, que constituiriam, se estivessem reunidas, a mais insuportável cacofonia; ao passo que, ao contrário, percebidas separadamente, elas constituem a harmonia particular a cada grau. Essas harmonias são elementares e grosseiras nos graus inferiores; elas levam ao êxtase nos graus superiores. Tal harmonia que ofende um Espírito de percepções sutis arrebatam um Espírito de percepções grosseiras; e, quando é dado ao Espírito inferior se deleitar nas delícias das harmonias superiores, o êxtase o toma e a prece entra nele; o arrebatamento o leva às esferas elevadas do mundo moral; ele vive de uma vida superior à sua e gostaria de continuar a viver sempre assim. Mas,quando a harmonia cessa de penetrá-lo, ele desperta, ou, querendo-se, ele adormece; em todos os casos, retorna à realidade de sua situação, e nos lamentos que deixa escapar por ter descido, se exala uma prece ao Eterno, para pedir a força de revigorar-se. É para ele um grande motivo de emulação.



Não tentarei dar a explicação dos efeitos musicais que o Espírito produz agindo sobre o éter; o que é certo é que o Espírito produz os sons que quer, e que não pode querer o que não sabe. Ora, pois, aquele que compreende muito, que tem em si a harmonia, que dela está saturado, que goza ele mesmo de seu sentido íntimo, daquilo nada impalpável, dessa abstração que é a concepção da harmonia, age quando quer sobre o fluido universal que, instrumento fiel, reproduz o que o Espírito concebe e quer. O éter vibra sob a ação da vontade do Espírito; a harmonia que este último traz em si se concretiza, por assim dizer; ela se exala doce e suave como o perfume da violeta, ou ela ruge como a tempestade, ou ela brilha como o raio, ou ela se lamenta como a brisa; ela é rápida como o relâmpago, ou lenta como a nuvem; quebrada como um soluço, ou unida como uma relva; é descabelada como uma catarata, ou calma como um lago; ela murmura como um riacho ou estoura como uma torrente. Ora tem a aspereza agreste das montanhas e ora a frescura de um oásis; ela é alternativamente triste e melancólica como a noite, feliz e alegre como o dia; é caprichosa como a criança, consoladora como a mãe e protetora como o pai; ela é desordenada como a paixão, límpida como o amor, e grandiosa como a Natureza. Quando ela está neste último termo, se confunde com a prece, glorifica a Deus, eleva ao arrebatamento aquele mesmo que a produz ou a concebe.



Ó comparação! Comparação! Por que é preciso ser obrigado te empregar! Porque é preciso dobrar-se às necessidades degradantes e emprestar, à natureza tangível, imagens grosseiras para fazer conceber a sublime harmonia na qual o Espírito se deleita.
E ainda, apesar das comparações, não se pode fazer compreender esta abstração que é um sentimento quando ela é causa, e uma sensação quando se torna efeito.


O Espírito que tem o sentimento da harmonia é como o Espírito que tem a aquisição intelectual; eles gozam constantemente, um e o outro, da propriedade inalienável que acumularam. O Espírito inteligente, que ensina sua ciência àqueles que ignoram, sente a
felicidade de ensinar, porque sabe que faz felizes aqueles que ele instrui; o Espírito que faz ressoar o éter dos acordes da harmonia que está nele, sente a felicidade de ver satisfeitos aqueles que o escutam.


A harmonia, a ciência e a virtude são as três grandes concepções do Espírito: a primeira o arrebata, a segunda o esclarece, a terceira o educa. Possuídas em sua plenitude, elas se confundem e constituem a pureza. Ó Espíritos puros que as contendes! descei às nossas trevas e iluminai a nossa marcha; mostrai-nos o caminho que haveis tomado a fim de que sigamos os vossos rastros!


E quando penso que esses Espíritos, dos quais posso compreender a existência, são seres finitos, átomos em face do Senhor universal e eterno, minha razão fica confundida pensando na grandeza de Deus, e da felicidade infinita que ele goza em si mesmo, pelo único fato de sua pureza infinita, porque tudo o que a criatura adquire não é senão uma parcela que emana do Criador. Ora, se a parcela chega a fascinar pela vontade, a cativar e arrebatar pela suavidade, a resplandecer pela virtude, que deve, pois, produzir a fonte eterna e infinita de onde ela é tirada? Se o Espírito, ser criado, chega a haurir em sua pureza tanta felicidade, que ideia deve-se ter daquela que o Criador haure em sua pureza absoluta? Eterno problema!


O compositor que concebe a harmonia, a traduz na grosseira linguagem grosseira chamada a música; concretiza a sua ideia, escreve-a. O artista estuda a forma e pega o instrumento que deve lhe permitir exprimir a ideia. O ar posto em movimento pelo
instrumento, leva-a ao ouvido que a transmite à alma do ouvinte. Mas o compositor foi impotente para exprimir inteiramente a harmonia que concebia, por falta de uma linguagem suficiente; o executante, a seu turno, não compreendeu toda a ideia escrita, e o instrumento indócil do qual se serve não lhe permite traduzir tudo o que compreendeu. O ouvido é ferido pelo ar grosseiro que o cerca, e a alma recebe, enfim, por um órgão rebelde, a horrível tradução da ideia eclodida na alma do maestro. A ideia do maestro era seu sentimento íntimo; embora deturpada pelos agentes da instrumentação e da percepção, no entanto, ela produz sensações naqueles que os ouvem traduzir; essas sensações são a harmonia. A música as produziu: elas são os efeitos desta última. A música é posta a serviço do sentimento para produzir a sensação. O sentimento no compositor é a harmonia; a sensação no ouvinte é também a harmonia, com esta diferença de que ela é concebida por um e recebida pelo outro. A música é o médium da harmonia; ela a recebe e ela a dá, como o refletor é o médium da luz, como tu és o médium dos Espíritos. Ela a torna mais ou menos deturpada segundo seja mais ou menos executada, como o refletor reenvia mais ou menos bem a luz, segundo ele seja mais ou menos brilhante e polido, como o médium expressa mais ou menos os pensamentos do Espírito, conforme seja ele mais ou menos flexível.


E agora que a harmonia está bem compreendida em seu significado, que se sabe que ela é concebida pela alma e transmitida à alma, compreender-se-á a diferença que há entre a harmonia da Terra e a harmonia do espaço.


Entre vós, tudo é grosseiro: o instrumento de tradução e o instrumento de percepção; entre nós, tudo é sutil: tendes o ar, nós temos o éter; tendes o órgão que obstrui e vela; entre nós, a percepção é direta, e nada a vela. Entre vós, o autor é traduzido: entre nós, ele fala sem intermediário, e na língua que exprime todas as concepções. E, no entanto, essas harmonias têm a mesma fonte, como a luz da lua tem a mesma fonte que a do sol; do mesmo modo que a luz da lua é o reflexo da do sol, a harmonia da Terra não é senão o reflexo da harmonia do espaço.


A harmonia é tão indefinível quanto a felicidade, o medo, a cólera: é um sentimento. Não se a compreende senão quando se a possui, e não se a possui senão quando se a adquire. O homem que é alegre não pode explicar a sua alegria; o que é medroso não pode explicar o seu medo; eles podem dizer os fatos que provocam seus sentimentos, defini-los, descrevê-los, mas os sentimentos permanecem inexplicados. O fato que causa a alegria de um não produzirá nada sobre o outro; o objeto que ocasiona o medo de um
produzirá a coragem do outro. As mesmas causas são seguidas de efeitos contrários; em física isto não existe, em metafísica isto existe. Isto existe porque o sentimento é a propriedade da alma, e que as almas diferem entre si de sensibilidade, de impressionabilidade, de liberdade. A música, que é a causa segunda da harmonia percebida, penetra e transporta um e deixa o outro frio e indiferente. É que o primeiro está em estado de receber a impressão que a harmonia produz, e que o segundo está num
sentido contrário; ouve o ar que vibra, mas não compreende a ideia que lhe traz. Este chega ao tédio e dorme, aquele ao entusiasmo e chora. Evidentemente, o homem que goza as delícias da harmonia é mais elevado, mais depurado do que aquele que ela não pode penetrar; sua alma está mais apta a sentir; ela se desliga mais facilmente, e a harmonia a ajuda a se desligar; ela a transporta e lhe permite ver melhor o mundo moral. De onde é preciso concluir que a música é essencialmente moralizadora, uma vez que
leva a harmonia às almas, e que a harmonia as eleva e as engrandece.


A influência da música sobre a alma, sobre o seu progresso moral, é reconhecida por todo o mundo; mas a razão dessa influência é geralmente ignorada. Sua explicação está inteiramente neste fato: que a harmonia coloca a alma sob a força de um sentimento que a desmaterializa. Esse sentimento existe em um certo grau, mas ele se desenvolve sob a ação de um sentimento similar mais elevado. Aquele que está privado desse sentimento a ele é levado gradativamente; acaba ele também por se deixar penetrar e se deixar arrastar ao mundo ideal, onde ele esquece, por um instante, os grosseiros prazeres que prefere à divina harmonia.


E agora, se se considera que a harmonia sai do concerto do Espírito, disto se deduzirá que se a música exerce uma feliz influência sobre a alma, a alma, que a concebe, exerce também a sua influência sobre a música. A alma virtuosa, que tem a paixão do bem, do belo, do grande, e que a adquiriu da harmonia, produzirá obras-primas capazes de penetrar as almas mais endurecidas e comovê-las. Se o compositor é terra-a-terra, como daria a virtude que desdenha, o belo que ignora e o grande que não
compreende? Suas composições serão os reflexos de seus gostos sensuais, de sua leviandade, de sua negligência. Elas serão ora licenciosas e ora obscenas, ora cômicas e ora burlescas; elas comunicarão aos ouvintes os sentimentos que o exprimirão, e os
perverterão ao invés de melhorá-los.


O Espiritismo, em moralizando os homens, exercerá, pois, uma grande influência sobre a música. Ele produzirá mais compositores virtuosos, que comunicarão suas virtudes fazendo ouvir suas composições.


Rir-se-á menos, chorar-se-á mais; a hilaridade dará lugar à emoção, a fealdade dará lugar à beleza e o cômico à grandeza.


De um outro lado, os ouvintes que o Espiritismo terá dispostos a receberem facilmente a harmonia, sentirão, na audição da música séria, um encanto verdadeiro; eles desdenharão a música frívola e licenciosa que se apodera das massas. Quando o grotesco e o obsceno forem deixados pelo belo e pelo bem, os compositores dessa ordem desaparecerão; porque, sem ouvintes, eles não ganharão nada, e é para ganhar que eles se sujam.



Oh! sim, o Espiritismo terá influência sobre a música! Como poderia sê-lo de outro modo? Seu advento mudará a arte, em depurando-a. Sua fonte é divina, sua força o conduzirá por toda a parte onde houver homens para amar, para se elevar e para
compreender. Tornar-se-á o ideal e o objetivo dos artistas. Pintores, escultores, compositores, poetas pedir-lhe-ão suas inspirações, e ele as fornecerá, porque é rico, porque é inesgotável.


O Espírito do maestro Rossini, numa nova existência, retornará para continuar a arte que ele considera como a primeira de todas; o Espiritismo será o seu símbolo e o inspirador de suas composições.


ROSSINI.

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