segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Cultura tem valor?

Valor da Cultura

Vernissage de um grande pintor NorteAmericano.
Garçons de ternos impecáveis.
Toda a sociedade de Nova Iorque estava presente. Gente que nada sabia de pintura, e alguns comerciantes de obras de arte. No ar o aroma dos mais caros perfumes. Um burburinho, mas a low voice, denotando o requinte e a educação dos presentes.

O pintor se deslocava no salão bem decorado, parando nos grupos todos. Agradecia a presença e dizia de quanto aquilo lhe era importante.

Num determinado momento, para espanto de todos, retira um pano que cobria um cavatele e se poe a pintar freneticamente.
A face transmudada. Bisnagas e pincéis, e espátulas...
O som do burburinho aumenta, mas mantendo a categoria.
De quando em quando, à medida em que a figura ia se definindo, e sua beleza se revelando expressões de:  Ah! Oh! Bravo! Great! Schön! acabaram ocorrendo.

Após quinze minutos, o pintor abandona o material de pintura, se afasta alguns passos do quadro, e fica por um tempo admirando-o. Trazia no rosto as marcas do cansaço e de prazer.
Numa atitude quase teatral, tira o avental sobreposto ao terno para a feitura da obra e diz:
_ Minha nova obra. Está à venda.

Se afasta totalmente do quadro para que todos pudessem a apreciar. 
Sereno e sorridente ve os grupos de pessoas um a um se aproximarem do quadro.
Uma senhora muito elegante e sobejamente conhecida nos circulos de marchands de Nova Iorque chega a ele e pergunta:
_ Quanto esta sua obra vai me custar?
_ Cento e Oitenta mil dolares minha senhora.
A mulher estremeceu e quebrou o padrão do ambiente:
_ Isto é um absurdo. - aos berros - Cento e oitenta mil dolares é realmente um absurdo.
O pintor sorriu. E diz:
_ É mesmo?
_ Pois claro. Uma obra que o senhor pintou em quinze minutos cobrar um valor desses?
O pintor se desloca calmamente até o meio do salão de maneira a ser visto e ouvido por todos.
_ A senhora afirma que esta obra foi elaborada em quinze minutos? E está convicta disto, não?
_ Mas foi o que todos nós nesta sala vimos acontecer. - E se voltando aos demais. - Não é verdade?

Os demais estavam imóveis e pasmos diante do inusitado.
Impassível, o pintor vagarosamente fez um giro com olhar por toda a sala. O suspense era inequivoco, cada semblante o denotava.
O artista baixa a cabeça devagar, e a levanta com uma certa luz no olhar:
_ Pois eu lhe afirmo minha cara senhora. Esta obra tem exatos quarenta e dois anos... e.... quinze minutos.
Aplausos irrompem pela sala, enquanto a senhora deixa a sala, o artista volta sereno ao seu copo de água mineral.
As colunas de arte dos periódicos dos meses seguintes noticiaram o fato exaustivamente. Polêmica no ar.
Absolutamente nenhum tocou no eixo daquela noite: a cultura-conhecimento como algo construido no transcurso do tempo. Esse tempo sempre esquecido e desprezado pelas pessoas que se acham cultas.
O tempo do intelectual, do artista, tem sim seu valor. Nem sempre financeiro. Muitas vezes apenas a atribuição dos créditos a seu trabalho.
É uma questão de ética valorar o que tem valor.
Se um amigo me faz um logo, faço empenho em pagar a sua arte. E ainda aponho seu  nome no trabalho.
Um desses amigos me disse: "Eu canso de fazer coisas sem cobrar para todo mundo."
Respondi: "Aprenda. Eu não faço parte desse 'todo mundo'. Ponha seu preço por favor."
E assim foi para minha alegria.

Passei por momentos de profundas dificuldades financeiras e um valorzinho qualquer equivalia a uma conta de luz, uma de água.
Tempos em que o carteiro era temido por mim. Sempre trazendo uma nova continha, com data e valor bem estabelecidos.
A mim não interessa se minha amiga ou meu amigo passam ou não por dificuldades, minha obrigação é valorar o seu trabalho.
Financeiramente e lhe dando visibilidade.
Isso é o ético, isso é o certo no meu ponto de vista.
Isso é valorar a cultura.

Paulo Cesar Fernaandes
21/08/2012

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