sábado, 30 de dezembro de 2017

20171230 Da fragilidade dos laços


Noite brava de tempestade. Vento bravio apita pelas janelas.
Raios e trovões fazem a casa tremer nos alicerces.




E ela na parte de cima da casa.
Perdeu o medo?
Noutras ocasiões estaria me pedindo abrigo.



Mantive o foco no livro.


Barulho das escadas superiores descendo alguém.
Escadas inferiores em seguida.



Ela se posta em frente minha poltrona depositando as malas no chão.

_ Volto ao meu pais. Já temos tudo pronto. Ele vai a trabalho e devemos por lá ficar.


Deitei o livro na mesinha:
_ Precisas de algo?

_ Não.
_ Vos desejo o melhor na nova vida. Bate a porta ao sair por favor.


Ela tinha fogo nos olhos ao me fitar:
_ Tudo errado. Tua esposa te abandona e tua preocupação é fechar a casa?


_ Não. Me aborreceu bastante.

_ Ao menos isso, um aborrecimento.

_ Pois, me aborreceu muito deixar meu livro por instantes. Agora segue teu rumo com teu novo amor. Espero tenhas pego tudo teu. Não quero restos na casa.


Irada ela rebateu:
_ Minha ausência é o que mereces.



Sereno como nunca respondi:
_ Eu não sabia quando, mas já esperava por isso. Finalmente chegou o momento. Vai e aprende a ser feliz. Chamou o taxi?



Nesse tempo uma buzina de auto toca.

_ Ele chegou, vai em paz.


Ela agarra as malas com raiva e sai pisando firme da casa.


De minha parte voltei ao livro. Mas a leitura não me caiu bem.

Telefonei para uma amiga, Anabela.

_ E aí? Como está? - ouvi do outro lado da linha.

_ Livre e feliz agora! Podes vir para cá agora, e traz agumas mudas de roupa. Passa alguns dias comigo.


_ Certo que sim. - disse Anabela.


_ Vamos juntos incinerar velhas memórias. - eu disse sarcasticamente.


_ E tu não vales nada mesmo. - Anabela ria muito do lado de lá.


_ Te espero, afinal... - desliguei o fone.


_ ... todos merecemos a tal da felicidade. disse para o vazio da casa.


Voltei à poltrona de leitura no aguardo da chegada da Anabela.

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Paulo Cesar Fernandes.
30/12/2017.

Nota: Inspirado no livro "Amor Líquido" de Zygmunt Bauman.

20171230 O Pombo

Ontem me visitou.
Chovia muito. E lá estava ele.
Eu o conheci como um ovo, junto a outro ovo, na jardineira da janela do meu quarto.


Resisti aos apelos de botar fora tudo aquilo;

traz doenças coisa e tal.
Optei pela vida e não me arrependo disso.
Segui alimentando os pais; e, pela fresta da janela, vendo os dois ovos.


Triste fiquei quando, já filhotinhos, um deles apareceu amassado.
Mas eu continuava olhando aquele imenso bico restante e o coração que batia.


Foram dois meses vendo a Vida, de muito perto.
Vendo esse pombo se desenvolver.


Como eu sei que é ele?

Aristóteles explica: os animais se movem pelo instinto e na natureza tudo se faz de forma exata e determinada.
O gato gateia...
O vento venta...
A chuva chove...
O riacho corre para o rio maior; este corre ao mar...
Assim...
É do instinto do pombo voltar ao lugar onde sente segurança.
Para minha alegria o peitoril da janela do meu quarto.



Ontem eu o olhei e o abençoei como um pai abençoa um filho. Afinal é meu filhote.

Foram dois meses cuidando até que um dia, já encorpado, vejo pais e filhote nas tentativas do primeiro voo.

Tirei de circulação minha cadela Emma para ela não interferir em nada.
Vi a magia da vida acontecer ali, sob meus olhos, o
Meu Filhote de Pombo voar.
Da jardineira (seu ninho) para o muro;
do muro para o telhado da lavanderia;
e de volta ao velho e seguro ninho.
A cadela na frente da casa pude ver algumas vezes isso ocorrer.
Até a família se acolher no velho ninho.
No dia seguinte a familia tinha abandonado minha casa.
Limpei e higienizei o local.



Por que eu fiquei feliz ontem?
Porque a Vida Mesmo, a Vida de Verdade ela é assim.
Feita das pequenas e mais simples coisas nas quais nos vemos envolvidos.

E mais. Porque a Vida está onde colocamos nosso coração.
E um pedacinho da Minha Vida está nas penas rajadas de alvinegro daquele Pombo.
Hoje um belo Pombo adulto.




Paulo Cesar Fernandes.

30/12/2017.

sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

20171112 Super Clara

Super Clara



Amplitude, imensidão
Palavra, sentimento
Desolação


Silêncio, solidão
Teu olhar, a minha mão.


Claros olhos de Clara.
Declaram outras canções.
Poéticas tardes.
No entardecer da vida.


Verei de novo ou não?
Esses clatros olhos clamantes?
Esse café, não a dois.


Onde foi a pele clara?
Minha clara confusão
Dentro dela te perdi.
Clara clara ilusão.


O tempo perdido morreu mulher
Como poema, nada espera.


Paulo Cesar Fernandes.

12/11/2017.

quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

20171206 Dezembros dolorosos

Dezembros dolorosos




Artistas são projeções nossas nos palcos diversos.

Em seu agir nos realizam e perfazem coisas por cada um de nós sonhadas.
Nos representam.

Ao partir, se tornam sombras permanentes de nós mesmos, nas lembranças de cada dia.

A antiga canção de um ausente revivesce sua total presença ao redor de nós.

Somos todos imortais. Em que pese corporalmente finitos. Nossa 
imortalidade se configura de duas formas distintas:

1) a vera imortalidade do espírito;

2) nossa imortalização através das obras deixadas, no correr da 
caminhada.


Cada obra nossa. Artista ou não, é um passo, é uma pegada, uma marca.

Resta saber qual direção imprimimos aos nossos passos/obras.


Ah! Johnny!

Tu me manques dejà, mon ami!


Paulo Cesar Fernandes

06/12/2017.