terça-feira, 20 de agosto de 2013

20110625 Negro, magricela e refugiado.


Negro, magricela e refugiado.

 

“Hoje é difícil pensar que uma benevolência divina zele sobre o mundo onde há tanta miséria, guerra e sofrimentos. O decisivamente importante é que com Deus ou sem Ele, cabe a nós mudar o mundo. Nossos males não resultam de descuidos ou cochilos divinos: são provocados por nós, pelo mau uso da liberdade. Se os provocamos, somos também capazes de corrigi-los.”

Amartya Sen “Desenvolvimento como liberdade”

Eu sou de corpo, sou de alma, de sentimentos, de emoções, tristezas e alegrias.

Tu, desse outro lado do papel, fiques atento. Tu és de corpo, és de alma, de sentimentos e emoções, com as tuas tristezas e com as tuas alegrias.

Nisso.

43 milhões de refugiados habitam a Terra em 2010 segundo dados das Nações Unidas.

Sabes o que é um refugiado?[1]

Uma gente que tem corpo, alma, e nada mais, uma vez que vivem num “não local”, num país que não é o seu, que não lhes diz respeito; para onde, pelos mais diversos motivos foram obrigados a migrar. Para sobreviver às guerras[2] travadas entre lideres tribais; guerras por motivos religiosos, ou pela simples intolerância religiosa dos ocupantes do poder no país de origem.

Cada vez mais eu admiro os ateus!

Habitam em grandes acampamentos coletivos, sem a menor privacidade. O prato de comida trazido às suas mãos é a certeza de sua sobrevivência até o dia seguinte. Este prato lhes chega às mãos pela ação do ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), e de outras entidades voltadas para a mesma causa.

43 milhões. Já pensastes?

43 milhões de espíritos com poucas/parcas possibilidades de auto-realização, enquanto espírito mesmo. Vivem para sobreviver apenas. Que progresso seria possível em tais circunstâncias? Haveria limitantes à evolução?

Richard Hardy e Toni Negri têm um livro chamado “Império” cuja tese central é que se foram por terra os dois grandes blocos do mundo: Comunistas x Capitalistas, foi ao chão a Guerra Fria. O que se formou hoje, foi um grande conglomerado que domina a vida de todos nós. Esse Império não tem sede central, é de alguma forma não identificável, se espraia ao longo de todo o planeta. Embora esteja claro quem são os seus beneficiários; e também aqueles outros, os que garantem a vida boa desses poucos.

Esses milhões de pessoas vivendo em tais condições de vida são a vergonha maior de qualquer sociedade minimamente digna.

E tu leitor? Não ficas pasmo, nem indignado?

Muitos intelectuais de valor se somam às entidades internacionais como a ACNUR, divulgando a barbárie advinda destes tempos de Pós-Modernidade. Pensadores de idéias divergentes e até antagônicas em tantos outros aspectos convergem no processo de solidariedade militante se valendo de suas palestras, e de todos os locais onde caiba a denúncia a tais disparates. Até porque o silêncio é sempre covarde e conivente.

Condições sociais indignas, advindas dessa globalização torpe e assassina, acabam por estancar o processo de desenvolvimento espiritual de toda essa massa humana.

Parece evidente que, mesmo sob tanta indignidade, possa emergir alguma voz lúcida e capaz de denunciar, dizendo alto e bom som de todas as humilhações, dores e condições ultrajantes que esse contingente populacional é submetido.

Talvez uma voz, do outro lado do papel possa intervir:

_”E nós no Brasil, que temos a ver com o Congo, Senegal, essa gente lá de longe? Já não bastam nossos problemas? Ainda mais essa gente. Não sabemos nada deles. Prá que isso?”

Uma coisa é certa: a nossa ignorância não nasce de nenhuma atitude de algum desses 43 milhões de seres humanos. Desses irmãos, no sentido mais fraterno que essa palavra possa carregar/referir.

Enquanto jornalista, formado e consciente das responsabilidades que tal diploma acarreta, fica impossível calar ao fato de que notícia para os donos dos MCM (Meios de Comunicação de Massa) não é o que tenha maior relevância, humanisticamente falando. Daí a importância e destaque dado à última jóia que a modelo da moda comprou. Uma modelo que sequer sabe onde se situa o Congo Belga, ou República Democrática do Congo, um país que perde periodicamente mais gente morrendo de fome, que os cliques semanais dos seus paparazzis, ou que as mensagens dos seus seguidores no Tweeter.

Mortos de fome. Espíritos que em toda a sua existência terrestre jamais tiveram o aconchego sequer de uma cama com os lençóis recém-lavados.

Uma dúvida bate forte em mim:

_ Somos ou não somos culpados de nossa ignorância/desinformação quando o universo que nos cerca é um turbilhão de informações sem fim?

Nestes Tempos Líquidos[3], quando tudo é fugaz e talvez sem importância eu paro o tempo, e reafirmo que para mim, a partir de agora importa, e importa muito, que não mais calemos às misérias humanas. Buscando sempre saber mais e mais de todas as misérias que assolam o mundo.

Etapa primeira: conhecer as misérias todas, absolutamente todas.

Etapa segunda: denunciar sem medo, tanto as misérias materiais, como as misérias morais.

O mundo precisa. O mundo espera pelas verdades todas, e isto causará a dor; mas uma dor bem menos intensa que as 43 milhões de dores vividas nalgum lugar do mundo em cada amanhecer.

Pela verdade e pela vida!!!

Sempre.

Paulo Cesar Fernandes
25/06/2011

 
P.S.: Dói saber que em 2013 deve estar pior.
 



[1] Segundo a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados, mais conhecida como Convenção de Genebra de 1951, refugiado é toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo.(Fonte: Wikipedia)
[2] Guerras fomentadas pelos países centrais da Europa e EUA com o único objetivo de lucrar na venda de armas.
[3] Título de um livro do polonês Zygmunt Bauman. Intelectual algumas vezes referido pelos convidados do Café Filosófico, exibido pela TV Cultura aos domingos 22h.

Nenhum comentário:

Postar um comentário