Fredrich W. H. Myers
A Personalidade Humana
Sobrevivência e manifestações paranormais
Esboço
provisório de uma síntese religiosa
Tenho motivos para esperar que não estejamos longe de uma síntese
religiosa que, apesar de seu caráter provisório e rudimentar, acabará estando
mais relacionada com as necessidades racionais do homem do que qualquer das que
a precederam. Esta síntese não pode ser obtida nem graças ao mero domínio de
uma das religiões existentes, nem pelo processo de sincretismo ou de ecletismo.
A condição prévia, necessária à sua existência, consiste na real aquisição,
quer com o auxílio das descobertas, quer em consequência de revelações de novos
conhecimentos, utilizados de modo que todas as principais formas de pensamento
religioso possam, através de uma expansão e um desenvolvimento harmonioso,
formar simples elementos constitutivos de um todo mais compreensível. E
acredito que, até o presente, adquirimos conhecimentos suficientes para me
permitirem submeter aos leitores as consequências religiosas que, a meu ver,
deles decorrem.
Por isso o nosso conceito de religião deve ser ao mesmo tempo
profundo e claro, conforme a definição que demos e que é a de uma resposta
normal e sadia do espírito humano a tudo que conhecemos da lei cósmica, isto é,
a todos os fenômenos conhecidos do universo, considerados como um todo inteligível. Porém, a resposta
subjetiva da maioria dos homens a tudo o que os rodeia cai, com frequência, sob
o nível do verdadeiro pensamento religioso: espraia-se em desejos, aprisiona-se
nos ressentimentos ou se deforma pelos medos supersticiosos. Não é, pois,
desses homens que falo, senão daqueles a quem o grande espetáculo inspirou uma
vaga tendência à fonte de todas as coisas, em direção às quais o conhecimento
gerou a meditação e os desejos elevados. Queria ver a ciência, depurada pela
filosofia, transformar-se em seguida pela religião numa chama abrasadora;
porque, na minha opinião, nunca seríamos demasiadamente religiosos. Desejo que
o universo que nos circunda e nos atravessa, sua energia, sua vida, seu amor,
ilumine em nós, na medida que nos submetamos a ele, o que atribuímos à alma universal
ao dizer: “Deus é amor”, “Deus é a luz”. A energia inesgotável da benevolência
onisciente que reside na alma universal deve transformar-se em nós numa
adoração e numa colaboração entusiástica, numa obediência ardente ao que nossos
melhores esforços nos permitem distinguir como o princípio regulador, em nós e
fora de nós.
Mas, se tivermos da religião um ideal tão alto, elevando-a por
sobre a cega obediência e o medo interesseiro, até o ponto de tornar a
submissão a ela inteiramente voluntária, e de limitar suas exigências a
respostas essencialmente espirituais, temos o direito de nos perguntar se é
justo e razoável ser religioso, considerar com uma devoção tão completa um
universo aparentemente incompleto e irresponsável em um princípio regulador que
tantos ignoram ou colocam em dúvida.
O pessimista é da opinião de que os seres sensíveis são um erro no
sistema das coisas. O egoísta age
concorde com a máxima de que o universo carece de significação moral e que cada
um por si “é a única lei indiscutível”. Atrevo-me a pensar que da resposta ao
pessimista e ao egoísta se depreende o ideal de nossos novos conhecimentos.
Persiste, é certo, uma dificuldade mais sutil, que as almas generosas sentem
instintivamente. “O mundo, dizem essas pessoas, é uma residência imperfeita e
nosso dever é fazer o possível para melhorá-la. Mas o que é que nos impele a
sentir (e a fração mínima de nossa felicidade pessoal justifica um sentimento
semelhante) um entusiasmo religioso
por um universo no qual um único ser esteja condenado pela sua sensibilidade às
dores inevitáveis?
A resposta a esses escrúpulos morais não pode, em grande parte,
ser ditada pela fé. Se, com efeito, soubéssemos que nada existe além da vida
terrestre, ou (o que é pior) que esta vida só supôs infindáveis sofrimentos a
uma só alma, seria, de nossa parte, uma fraude moral atribuir o poder e a
bondade à primeira causa, pessoal ou impessoal, de semelhante destino. Mas se
acreditássemos na existência de uma vida infinita, com infinitas possibilidades
de aprimoramento humano e de justificação divina, então parece exato afirmar
que o universo é (de um modo que nos escapa) ou perfeitamente bom, ou em vias de
sê-lo, pois pode transformar-se, em parte, graças ao ardor de nossa fé e de
nossa esperança.
Nada mais faço do que mencionar estas dificuldades do início; e
não insistirei sobre elas. Falo aos homens decididos, em virtude de seu
instinto ou de sua razão, a serem religiosos, a aproximarem-se com uma
veneração devota a um Poder e a um Amor infinitos. Nosso desejo é,
simplesmente, encontrar o meio menos indigno de pensar em coisas que, necessariamente,
estão além de nosso pensamento finito.
Podemos dividir as melhores emoções religiosas em três variedades,
três correntes que correm paralelamente e cada qual surge, em minha opinião, de
alguma fonte oculta na realidade das coisas.
Colocarei, em primeiro lugar, o sentimento obscuro dos
livres-pensadores, pertencentes a diferentes épocas e a diferentes países e que
designarei para evitar qualquer definição discutível, com o nome de religião dos antigos sábios. Sob esta
denominação (ainda que Lao-Tsé não seja, talvez, mais do que um nome) ele nos
foi apresentado num escorço sumário do grande sábio e poeta de nossa época; e
as expressões como religião natural, panteísmo, platonismo, misticismo, nada
mais fazem do que exprimir ou intensificar os diversos aspectos do conceito
primordial que forma a base do sentimento em causa.
É o conceito da coexistência e da interpenetração de um mundo real
ou espiritual e de um mundo material ou fenomenológico, crença nascida em
muitos espíritos como conseqüência de experiências ao mesmo tempo mais decisivas
e mais coerentes de quantas eles já tivessem conhecido. Repito: mais decisivas
porque supõem o aparecimento e a atividade de um sentido que é “o último e mais
amplo” de uma capacidade que permite abraçar, não direi a Deus (pois qual é a
faculdade finita que pode abraçar o infinito?), mas, ao menos, alguns indícios
vagos e fragmentários de um verdadeiro mundo de vida e amor. E mais coerente
também por uma razão que, até estes últimos anos, parecera um paradoxo. Porque
a colaboração mútua desses signos e mensagens não depende somente da sua
própria concordância fundamental, até um certo ponto, mas também da inevitável
divergência além desse ponto, quando passam do domínio das coisas sentidas ao
das coisas imaginadas, da região da experiência real à da fé dogmática.
A religião dos sábios antigos é de uma antigüidade desconhecida, o
mesmo acontecendo com as diferentes religiões orientais, que nos tempos
históricos alcançaram seu ápice na religião de Buda. Para o budismo, todos os
universos que se interpenetram formam outros tantos graus pelos quais o homem
segue seu caminho ascendente, até ver-se livre de toda ilusão e desaparecer
inefavelmente no todo impessoal. Mas a doutrina de Buda perdeu todo o contato
com a realidade e não se fundamenta em fatos observáveis que se possam
reproduzir.
O cristianismo, a mais jovem de todas as grandes religiões,
repousa, incontestavelmente, sobre uma base formada por fatos observados. Esses
fatos, tal como nos transmitiu a tradição, tendem seguramente a provar o
caráter sobre-humano do fundador do cristianismo e seu triunfo sobre a morte, e
ao mesmo tempo a existência e a influência de um mundo espiritual que é a
verdadeira pátria do homem. Todos reconhecem que essas idéias se encontram na
origem da fé. Mas desde os primórdios o cristianismo foi elaborado em códigos
morais e rituais adaptados à civilização ocidental e crêem alguns que adquiriu,
como regra de vida, o que perdeu como simplicidade espiritual.
Do ponto de vista do sábio antigo, as profundas igualdades de
todos esses sistemas religiosos apagam suas oposições formais. Mas, advirto,
não é da soldagem desses sistemas, nem do amálgama das melhores partes de cada
uma das sínteses existentes que nascerá a nova síntese que prevejo. Nascerá do
próprio renascimento de nossos conhecimentos e nesses conhecimentos novos cada
uma das grandes formas do pensamento religioso encontrará seu desenvolvimento
indispensável, diria mesmo quase predestinado. Desde seus albores nossa raça
deparou-se com um caminho proibido; e, atualmente, as primeiras lições de sua
primeira infância lhe revelam que grande parte do que acreditara
instintivamente tem sua origem, sua raiz, na própria realidade.
Resumirei a conclusão religiosa que se depreende da observação e
da experiência, antes que nossas descobertas possam ser citadas diante do
tribunal da ciência, para nele receber sua definitiva consagração.
Digo conclusão religiosa
porque suponho que as observações e as experiências sobre as quais me apoio
sejam conhecidas; essas observações, experiências e deduções levaram diversos
pesquisadores, eu entre eles, a acreditar na intercomunicação direta ou
telepática, não só entre os espíritos encarnados, mas também entre os espíritos
encarnados de um lado e os desencarnados de outro. Uma semelhante descoberta abre, igualmente, as portas à
revelação. Graças à descoberta e à
revelação, certas opiniões foram provisoriamente formuladas, no que concerne ao
destino das almas livres dos corpos. Primeiramente e antes de tudo, acredito
que estejamos autorizados a considerar seu estado como o de uma evolução
infinita na sabedoria e no amor. Seus amores terrestres persistem e, acima de
tudo aqueles amores superiores que procuram se manifestar na adoração e no
culto. Não me parece seja possível tirar de seu estado argumentos para favorecer
qualquer das existentes teologias. Onde se encontram, as almas parecem bem
menos resignadas do que nós mortais acreditamos. Todavia, das alturas da
posição privilegiada que ocupam no universo enxergam o que é bom. Não quero com
isto dizer que saibam o que se relaciona ao fim ou a explicação do mal. Mas
acham que o mal não é uma coisa tão terrível, mas que se apodera de nós e nos
escraviza. O mal não se encontra encarnado em nenhuma autoridade poderosa; é,
antes, um estado de loucura isolada, do qual os espíritos superiores tentam
livrar as almas desnaturadas. Não há necessidade, para isso, da purificação
pelo fogo; o autoconhecimento é o único castigo e a única recompensa do homem.
Neste mundo, o amor é, realmente, a condição da conservação pessoal; a comunhão
com os santos não é só o encanto da vida, mas a segurança da eternidade. Mas a
lei da telepatia nos mostra que essa comunhão já se produz, de tempo em tempo,
neste mundo. Sempre o amor das almas responde às nossas invocações. Sempre o
amor, associado às nossas lembranças, o amor que é por si uma prece, ampara e
reconforta essas almas libertas no seu caminho ascendente. Isto nada tem de
assombroso, porque somos, com relação a elas, como companheiros de jornada,
envoltos na bruma; “nem a morte, nem a vida, nem a altura, nem a profundidade,
nem qualquer criatura são capazes de nos distanciar do fogo central do
universo, nem de ocultar, sequer por um momento, a inconcebível unidade das
almas”.
Qual é o sistema que nos forneceu uma confirmação tão profunda da
própria essência da revelação cristã? Jesus Cristo gerou “a vida e a
imortalidade”. Por sua aparição, após a morte corporal, provou a imortalidade
do espírito. Por seu caráter e seus ensinamentos, provou a paternidade de Deus.
Tudo o que sua mensagem continha de dados demonstráveis estão aqui
demonstrados; todas as suas promessas de coisas indemonstráveis estão aqui
renovadas.
Aventurar-me-ei a uma opinião e a predizer que, graças aos novos
dados que possuímos, todos os homens ponderados acreditarão antes de um século
na ressurreição de Cristo, enquanto que sem esses dados ninguém acreditaria
nela antes de transcorrido esse século. As razões que ditam minha predição são
suficientemente claras. Nossa convicção sempre crescente da continuidade e da
uniformidade da lei cósmica nos impõe progressivamente esta conclusão de que a singularidade de um incidente constitui
exatamente sua inevitável refutação. Nosso século científico é penetrado, cada
vez mais, pela verdade de que as relações entre o mundo material e o mundo
espiritual não podem ser de caráter meramente moral ou emocional; que devem ser
a expressão de um grande fato fundamental do universo que supõe a ação de leis
tão permanentes, tão idênticas de uma época a outra, como nossas leis
conhecidas, no que diz respeito à energia e ao movimento. E no que se refere a
esta afirmação central, a vida da alma que se manifesta após a morte corporal é
evidente que poderá cada vez menos apoiar-se apenas na tradição e deve, cada
vez mais, buscar sua confirmação na experiência e nos estudos modernos.
Suponhamos, por exemplo, que colecionamos algumas dessas histórias e que elas
não resistiram a uma análise crítica, atribuindo-se todos os fenômenos nelas
relatados a alucinações ou a erros nas descrições; podemos esperar que os
homens ponderados admitam que esse fenômeno maravilhoso, que sempre se reduz a
nada quando submetido à análise num ambiente inglês moderno, seja digno de fé,
desde que se afirme que se produziu num país oriental, numa época distante e
supersticiosa? Se os resultados das “investigações psíquicas” tivessem sido
essencialmente negativos, os dados (não digo a emoção) do cristianismo não teriam recebido um irreparável golpe?
De acordo com minha opinião pessoal, nossas investigações deram
resultados muito diferentes, grandemente positivos. Demonstramos que entre um
grande número de fatos que se podem atribuir ao erro, à mentira, à fraude e à
ilusão, existem manifestações indiscutíveis que nos vêm de além-túmulo. A
afirmação capital do cristianismo recebe, dessa forma, uma concludente
confirmação. Se nossos próprios amigos, homens como nós, podem às vezes vir
para falar-nos de amor e de esperança, um espírito mais forte pode-se servir
das leis eternas com maior intensidade. Nada nos impede de reconhecer que ainda
que sejamos “filhos do Todo-poderoso”, Cristo tenha podido aproximar-se mais
que nós, por um caminho que não podemos conceber ao que está infinitamente
distante.
Isto dá ensejo a uma veneração ainda maior, por parte do homem. A
afirmação difusa e imperfeita da revelação e da ressurreição está confirmada,
nos nossos dias, por novas descobertas e revelações; pela descoberta da
telepatia, que nos diz serem possíveis comunicações diretas quer entre
espíritos encarnados, quer entre espíritos desencarnados; pelas revelações
contidas nas mensagens que se originam dos espíritos desencarnados e que
mostram, de maneira direta, o que a filosofia só suspeitou: a existência de um
mundo espiritual e a influência que exerce sobre nós.
Nossos recentes conhecimentos confirmam, dessa forma, as antigas
correntes do pensamento, de um lado corroborando o relato da aparição de Cristo
após a morte e nos fazendo ver, de outro, a possibilidade de uma encarnação
benfazeja de almas que, antes de sua encarnação, eram superiores à do homem.
Isto relativo ao passado. E, no que diz respeito ao futuro, confirmam o
conceito budista de uma infinita evolução espiritual, à qual se submete todo o
cosmos. Ao mesmo tempo, revestindo-se de um caráter de realidade cada vez mais
pronunciado, o fato de nossa comunicação com os espíritos libertos nos
proporciona um sustentáculo imediato e nos deixa entrever a perspectiva de um
desenvolvimento infinito, que consistirá num acréscimo da santidade, numa
interpenetração cada vez mais íntima, dos mundos e das almas, numa evolução da
energia e da vida na tríplice concepção da sabedoria, do amor e da alegria.
Este processo, que se realiza de uma maneira diversa para cada alma em
particular, é em si mesmo contínuo e cósmico, porque a vida que nasce da
energia primitiva diviniza-se para se converter na alegria suprema.
===
Que texto forte e belo.
Somo
a todos os conhecimentos citados pelo final do livro de Myers, os
conhecimentos e relações com os antepassados levadas a cabo pelos nossos Povos
Originários, do Brasil e de toda América Espanhola.
Em
sua ancestralidade, há acúmulo de conhecimentos hoje investigados pela ciência
oficial com vistas à cura de diversas doenças.
Chamo
o dia de hoje de Dia dos Povos Originários.
Não
é Dia do Índio, pois não estamos nas Índias. Ajustemos nosso vocabulário.
Possamos
nós, valorar suas terras demarcando-as, visando uma trajetória de paz e respeito
às vidas de seus líderes, e de todas as suas comunidades.
Estou
seguro que muito aprenderemos com essas civilizações ancestrais. Conclamo a
todos a um respeito visceral a esses povos. Irmãos que somos em processo de
evolução intelectual e ético.
Paulo
Cesar Fernandes
19 04
2014
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