terça-feira, 18 de setembro de 2012

“São os poetas que transformam o mundo”

Como vivo falando isso. Agora trago as palavras de um brilhante compositor, poeta, musico, e agitador cultural desde país. Voce já cantou, ouviu, assobiou musica dele sem saber se vc for brasileiro de verdade. Se for VendePátria suma-se daqui. A Vida é generosa permitiu que eu postasse essa entrevista.
 
Hermínio Bello de Carvalho:
“São os poetas que transformam o mundo”

Um agitador cultural. Assim talvez pudesse ser definido Hermínio Bello de Carvalho. Mas, ele detesta rótulos e vê pairar sobre si inúmeras definições: “poeta, compositor, diretor de teatro, produtor de discos, escritor, animador cultural; etc.”. Hermínio é muito todas estas coisas, porém é, principalmente, um profundo conhecedor e eterno apaixonado da música brasileira, incansável batalhador que trava uma luta para abrir espaços à música de qualidade feita no país, em meio ao esquemão que padroniza o que é imposto ao público, de uma ponta a outra do Brasil.

Hermínio está em Salvador para lançamento do livro “O Canto do Pajé: Villa-Lobos e a MPB”, na próxima quinta-feira. às 17 horas na Fundação Casa de Jorge Amado (Pelourinho). Neste livro, já lançado no Sul do país e em algumas capitais do Nordeste, ele conta as relações do mestre Villa-Lobos com a música popular brasileira e os seus ídolos daquela época — a primeira metade do século. O resultado é uma obra recheada de dados históricos, mas com um texto descontraído e envolvente.

Aqui, Hermínio Bello de Carvalho fala com exclusividadc à Revista do livro que está lançando, do Projeto Radamés Gnatalli, que vem desenvolvendo através da Divisão de Música Popular da Funarte, que ele dirige, além de comentar a atual estrutura das FMs e criticar os prejuízos causados às crianças brasileiras pelo que chama de “Xuxa S.A.” Com a palavra, Hermínio Bello de Carvalho:

P — Se fala muito em Hermínio Bello de Carvalho como um "agitador cultural". O que é exatamente ser um “agitador cultural”?
Eu sou a figura anárquica do animador cultural e não poderia sobreviver com esta denominação, como não consigo conviver com nenhum rótulo. Qualquer rótulo é, antes de tudo, restritivo, sempre...

P — Mas você admite que estes rótulos existem, pairam sobre você...
Pairam, claro, pairam muitas coisas e eu acho ótimo que pairem. Quanto mais fizerem estas rotulações e mais atomizarem a minha figura, surgem as interfaces de um brasileiro que pensa e está engajado numa luta política e esta luta política tem o lado cultural, o lado social, tem todos os lados que envolvem a própria vida. O agitador cultural é exatamente este elemento anárquico que pulveriza todas as rotulações e deixa isto à deriva, deixa que as pessoas o vejam como quiser. Eu não tô nem a fim de ter rótulos, quero atuar em todas as áreas onde possa levar o povo a uma reflexão.

P — Através de que?
Através de minhas letras de música, do meu texto de poeta ou escritor, dos programas de TV que apresento. Quero que isto surja através dos fatos culturais que eu provoco. Isto que eu acho mais importante.

P — Como é que você, dirigindo um departamento da Funarte, vê a burocracia da cultura no país, hoje?
Antes de tudo, a burocracia é um polvo, com muitos tentáculos e se você se deixar envolver por eles não consegue fazer nada. Eu trabalho com a antiburocracia pelo simples fato de ser o antifuncionário público, o antiburocrata, estou ali para desemperrar, desenferrujar. Tem um certo momento em que a burocracia, ela realmente quase que nos vence, mas a gente não deixa ela vencer. Esta é a função do poeta: sangrar o mal que é a burocracia. Você não pode escapar de papéis, carimbos, mas humaniza isto tudo. Nós temos uma ação lírica e não podemos nos render à burocracia, temos que entrar e apunhalar.

P — E existem muitos “sangradores” da burocracia hoje no Brasil?
Existem, eu acho que sim, existem muitos. A maior lição que eu tive foi com o próprio Mário Andrade, que é meu guru, meu ídolo, (eu me considero fruto da generosidade que o Mário espalhou por aí entre seus amigos) e deixou claro que o mais importante é não engavetar as informações, e sim, passá-las adiante. Aí é que está o verdadeiro agitador cultural. O resto — a poesia, a música, a arte — vem embutido neste “passar adiante”.

P — E como é que é o escritor Hermínio Bello de Carvalho?
Eu não sou um escritor, talvez. Eu sou um desengavetador de textos. Eu sou obrigado a escrever e escrevo compulsivamente, sobre tudo, principalmente as minhas indignações. Eu tenho as chamadas “cartas ao poder onde, neste tempo em que venho convivendo com o poder, eu o contesto, e desafio. Eu sou um contestador, não sou um caso conformado. Eu escrevo sem parar. Recentemente escrevi para um cardápio de um bar que sou o padrinho e me peguei falando de outros bares, me dando conta de quanto eu já andei em bares no Brasil. É assim, eu escrevo o tempo todo.

P — Então você não senta na máquina para escrever um livro especificamente?
Não exatamente. Vem uma pessoa pede para eu escrever sobre uma exposição, outra pede para fazer um texto para um disco e assim por diante. Termina saindo um vasto material que depois vira livro.

P — É o caso deste que você lança esta semana em Salvador?
É, tudo começou em 1962, quando eu fiz uma conferência sobre o Villa-Lobos, a perdido da Mindinha Villa-Lobos, viúva do compositor. Eu tinha pesquisado muito e sabia tanto sobre a obra e a vida dele que ela me convidou para fazer a palestra. Ela é uma pessoa fantástica e nós ficamos muito amigos.

P — Você chegou a conviver com o Villa-Lobos?
Não e este é um dos assuntos que eu gosto de esclarecer: eu não convivi com o Villa-Lobos. Eu o conheci na minha escola, na 3.3 Deodore, em uma aula de canto, quando eu era uma criança. Depois, muito tempo depois, eu encontrei com ele, conversamos e ele ficou curioso: como é que eu sabia tanta coisa sobre ele? Isto foi pouco antes dele morrer, depois eu me aproximei de muitos amigos dele, até fazer a conferência, que teve a participação de Donga, autor de “Pelo Telefone”, que cantou para as pessoas.

P — Então, o livro é uma continuação daqueles estudos e pesquisas?
Este livro, hoje, ele formatou esta série de trabalhos que eu fiz, a partir da conferência da década de 60, mas com elementos dos trabalhos que eu continuei fazendo. Escrever para mim é assim.

P — Qual a sua formação acadêmica?
Não tenho nenhuma formação acadêmica, nem o curso secundário completo. A minha formação é de vida mesmo.

P — E o rumo que você tomou?
Eu tive uma vida difícil, trabalhava em um escritório de navegação, onde fiquei até 15 anos atrás, sustentava a minha família e fazia bicos, escrevendo, compondo, tentando ansiosamente saber o que iria fazer de minha vida. A Mindinha, de uma certa forma, ela me deu esse caminho ao me provocar. Com a conferência sobre Villa viajei para vários países da Europa, continuando neste caminho.

P — E o Hermínio compositor, já existia?
Já sim. Naquela época eu já tinha músicas. Eu costumo dizer que eu perdi o bonde da Bossa Nova. Em 63, a bossa nova estava no auge, vindo desde 58, e eu enveredava pelos caminhos do violão clássico, engajado com propostas de um programa de rádio. Então, eu fazia bossas, só que era um amador, eu corria à parte.

P — Por opção?
Por timidez. Eu queria ser artista, tava doido pra ser artista, mas eu não tinha peito, não tinha coragem. Perdi o bonde da bossa nova.

P — E hoje, você se considera um artista?
Se isto não for uma exposição de ego, acho sim, claro que sim. Não dá para se sentir um não-artista. quando você passa idéias, produz arte, fala pra platéias. Eu continuo com a minha timidez, mas hoje até, canto, faço programas de TV, etc. Alguma coisa vem e me faz fazer, como um santo que baixa e pronto. De vez em quando, ainda me assusto. Em Recife apareceu tanta gente da imprensa para me entrevistar que eu fiquei meio assustado. Agora, artista eu acho que sou.

P — Qual foi mesmo o comentário que você fez sobre Xuxa à imprensa pernambucana, que teve uma grande repercussão em Recife?
O que eu estou denunciando ultimamente (e este livro que lanço aqui também toca neste assunto) é que a educação social pela música, pregada por Villa-Lobos, infelizmente esta educação foi criada no Estado Novo, paradoxalmente em um dos governos mais duros do país. Só que o Ministério da Cultura era freqüentado por nomes como Di Cavalcanti, Candido Portinari, Drummond era funcionário e muitos outros como Anísio Teixeira e o próprio Mário de Andrade. Dizem que o Getúlio havia coptado o Villa-Lobos, mas eu acho que aconteceu o inverso.

P — E isto continuou existindo?
Continuou, até que o governo Médice, o mais duro da ditadura, acabou definitivamente com a iniciação musical na escola. Na década de 40k, Villa-Lobos ia buscar o Cartola no Morro, colocava a escola de samba nas paradas com corais de mulheres de vozes. A criança tinha, logo nos primeiros anos escolares, a oportunidade de conhecer a música. Hoje a educação social pela música começa às 8 horas da manhã, quando a criança é “plugada” à televisão e todo o poder indutor da televisão é acionado sobre uma cabecinha que está totalmente disponível e começa a introjetar nesta cabecinha uma série de ansiedades e expectativas, formando ali um indivíduo extremamente consumista... em "um país miserável. Então, eu não falo da figura da Xuxa, falo da “Xuxa S.A.”, toda uma máquina que existe por trás dela e que, quando for desgastada, criará. outro protótipo.

P — E qual o resultado?
Isto tudo imbeciliza as crianças. Você me pergunta: “a Xuxa” S.A., eu digo que sim: a “Xuxa SA”.

P — Aproveitando o gancho, como você vê o esquemão que rege o mercado da música popular brasileira, as paradas de sucesso uniformes em todo o Brasil e a música que de qualidade, posta em segundo plano?
Sempre que me perguntam sobre a MPB, eu pergunto: qual delas? A que toca nas emissora, de rádio ou de altíssima qualidade que está sendo feita mas não reproduzida pelos meios de comunicação? Claro que existem as exceções, mas este campeonato de cuspe à distância em que se transformou a música dentro das emissoras de rádio é uma coisa que deveria ser analisada à luz da Constituição para que se estabelecessem regras mínimas para reger este mercado.

P — E enquanto isto, o que é feito no Brasil?
Em uma escala maior, nada. A televisão impõe padrões culturais do Rio-São Paulo para o resto do país, os sotaques vão acabando, as manifestações culturais vão se comprimindo. Nós temos o projeto Radamés Gnatalli, que procura ampliar a ação do projeto Airton Barbosa, promovendo a edição de discos, em sistemas de playbacks, para atender à clientela dos instrumentistas, visando dar suporte às escolas de musica e toda a gama de músicos amadores, em seus esforços no sentido da profissionalização.

 
Citados: “O Canto do Pajé: Villa-Lobos e a MPB”, Fundação Casa de Jorge Amado (Pelourinho), Projeto Radamés Gnatalli, Divisão de Música Popular da Funarte, Xuxa, Mário Andrade, Mindinha Villa-Lobos, Donga,“Pelo Telefone”, Bossa Nova, Estado Novo, Médici, Di Cavalcanti, Candido Portinari, Carlos Drummond de Andrade, Anísio Teixeira, Getúlio Vargas, projeto Radamés Gnatalli, projeto Airton Barbosa, Henrique Annes, batida  de maracujá “Rosa de Ouro”, O Rei da Batida, Mercado Modelo.

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