Fé Cega, Faca Amolada
Milton Nascimento
Milton Nascimento
Agora não pergunto mais pra onde vai a estrada
Agora não espero mais aquela madrugada
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser faca amolada
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar e ser muito tranquilo
Deixar o seu amor crescer e ser muito tranquilo
Brilhar, brilhar, acontecer, brilhar faca amolada
Irmão, irmã, irmã, irmão de fé faca amolada
Plantar o trigo e refazer o pão de cada dia
Beber o vinho e renascer na luz de todo dia
A fé, a fé, paixão e fé, a fé, faca amolada
O chão, o chão, o sal da terra, o chão, faca amolada
Deixar a sua luz brilhar no pão de todo dia
Deixar o seu amor crescer na luz de cada dia
Vai ser, vai ser, vai ter de ser, vai ser muito tranquilo
O brilho cego de paixão e fé, faca amolada
===
Uma das leituras deste texto é que toda fé cega, toda ortodoxia é uma faca amolada, cortante e perigosa para nossa transição vivencial.
Mas quando não mais pergunto pela estrada, e não mais espero pela madrugada prometida é porque cheguei a conclusão que a coisa toda é comigo mesmo.
Sou o gestor da minha vida e do mundo ao meu redor.
E a faca amolada, em lugar de ser um instrumento perigoso, capaz de me ferir, passa a ser o elemento da minha libertação, pois a faca amolada é a práxis de cada um de nós na vida que leva.
Nossa disposição para a luta contra os preconceitos de classe, contra o racismo, contra o persistente preconceito contra os Povos Originários de nosso pais, sempre mortos com mortes nunca registradas pela imprensa. A faca amolada é para cortar e retalhar os males do Brasil e do mundo.
Falo dos males ideológicos, inculcados em todos nós desde a mais tenra infância, nos fazendo crer em mentiras. Mentiras advindas da família, da escola, das religiões, e das instituições: do Estado Brasileiro e Mundiais.
É necessário fazer ser vista a nossa luz, é necessário fazer crescer o nosso amor, é necessãrio que façamos acontecer alguma coisa.
Somos dotados da faca amolada da nossa vontade, da nossa garra, da nossa crescente consciência dos males do Brasil e do mundo. O instrumental da racionalidade nos permite uma outra perspectiva na vida. Não mais o estreito limite da mundanidade, do círculo vicioso de nossos pessoais interesses. Se abre nosso peito ao mundo. Não mais nos pertencemos apenas a nós e nossos familiares. Somos do mundo e o mundo é nosso mais precioso labor.
É uma revolução na vida.
Aquela vida calminha, certinha, com tudo arrumado e acertado, explode como uma bomba e nos vemos num novo turbilhão. Um turbilhão criativo e forte o suficiente para antever um outro mundo.
Nos vemos novamente com o sonho nas mãos.
LOUCO!
VISIONÁRIO!
MALUCO!
IMBECIL!
Dentre tantas outras, nos veremos defrontados por estas imprecações.
Mas nosso caminho é de serenidade. A JUSTIÇA sempre foi vilipendiada sobre a face da terra. E fortes interesses seguem buscando a continuidade dessa mesma situação. Nós não mais a queremos.
Nós somos a anomalia, na verdade. Somos os contra a corrente. Mas somos quem tem nas mãos a capacidade de sonhar novos sonhos, sentir novas alegrias, amar o mundo sem fronteiras. Derrubar as fronteiras do mundo numa unidade de todos os povos, apartados de todos os governos.
Nós queremos o Poder. Mas um outro Poder muito diverso disso tudo que por aí anda. Outro Poder!
Seremos tolhidos e mortos pelos donos das guerras?
Quem sabe? A História o dirá. Mas os enfrentaremos com coragem. Pois toda guerra é injusta e torpe. Podres homens as fomentam, inflamam, e delas ampliam seu capital.
Nós não. Pregamos um outro mundo onde a Solidariedade e a Fraternidade sejam as palavras de ordem. Mas não tão somente nas bandeiras, hinos e coisas banais, mas no ato de cada um de nós. No viver diário.
Nossos dias serão diferentes, estarão impregnados de alguma coisa da qual nunca tivemos notícia. Um amplo horizonte se abrirá diante de nossas almas. Antes tão fechadas em si mesmas.
Teremos vencido a batalha contra o egoísmo, e isto nada tem de religioso, místico, ou algo assim; é apenas a constatação de um dos caminhos para a felicidade.
Uma tomada de consciência diante da realidade dos fatos.
Ninguém de Ego insuflado pode ser verdadeiramente feliz, ou fazer feliz seus semelhantes. O EGO é característica dos tiranos. E nós não somos tiranos, fugimos e combatemos todas as formas de tirania.
Estaremos juntos numa batalha?
Talvez sim.
Conseguiremos inflamar corações sinceros e devotados ao Bem Maior, que é o bem de toda a humanidade?
Talvez sim.
Mas uma coisa é certa: tentamos fazer algo com a maior sinceridade possível.
Num mundo de falsidades múltiplas, de valores estropiados, onde a mentira milhares de vezes repetida ganha foro de verdade.
Num mundo desses, teremos completado nossa tarefa.
Mesmo que na estrada, ao redor de mim, apenas encontre o vazio.
Sentirei como cumprido o dever. A parte que me cabe, apesar das minhas tantas limitantes .
Paulo Cesar Fernandes
23 05 2014
Nenhum comentário:
Postar um comentário