sábado, 16 de março de 2013

Morro Velho... Reflexões

Morro Velho
Milton Nascimento

No sertão da minha terra, fazenda é o camarada que ao chão se deu
Fez a obrigação com força, parece até que tudo aquilo ali é seu
Só poder sentar no morro e ver tudo verdinho, lindo a crescer
Orgulhoso camarada, de viola em vez de enxada

Filho do branco e do preto, correndo pela estrada atrás de passarinho
Pela plantação adentro, crescendo os dois meninos, sempre pequeninos
Peixe bom dá no riacho de água tão limpinha, dá pro fundo ver
Orgulhoso camarada, conta histórias prá moçada

Filho do senhor vai embora, tempo de estudos na cidade grande
Parte, tem os olhos tristes, deixando o companheiro na estação distante
Não esqueça, amigo, eu vou voltar, some longe o trenzinho ao deus-dará

Quando volta já é outro, trouxe até sinhá mocinha prá apresentar
Linda como a luz da lua que em lugar nenhum rebrilha como lá
Já tem nome de doutor, e agora na fazenda é quem vai mandar
E seu velho camarada, já não brinca, mas trabalha.

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Na infância as diferenças de classe ficam diluídas, embora presentes.

Na pelada da rua, no jogo de taco, na cela do pião é tudo igual.
Igual mesmo. Igualito, igualito.


Na adolescência se iniciam as diferenças.
Uns vão estudar outras línguas.
Ter acesso a outros livros, outras formas de ver e de pensar.

Em viagem na Europa encontram coisas aqui não encontradas por seus ex-amigos.
Novos amigos aparecem...
"Amigos de nossa categoria, filho! Com eles é que deves andar."



De seu estudio de estudo ouve seus ex-amigos a bater bola pela rua e os inveja. Os livros em inglês e em francês não lhe trazem aqueles gritos, aquela alegria.
O silêncio do estúdio. O eco do vazio dos risos da festa da noite anterior. O sabor de uisque e as palavras da mãe vibram em seu interior.

Mais fortes os gritos da rua....


Se veste simples, e desce os lances de escada que separam seu estúdio do nível da rua.
Sai prá rua aos gritos, os mesmos gritos que ouvia.


De pronto causa espanto. A rua para.

Todos se entreolham, o mundo fica em suspenso.
Um passo em sua direção, um sorriso, um grito,....
Muitos gritos e muitos abraços ao seu redor...
Havia um brilho nos olhares todos que muitos anos não conheciam.


Outras músicas, outros livros, outras festas....
Corpos soltos e naturais das novas meninas.
Perfume de banho recén tomado, perfume de corpo...
Naquela tarde, naquela casa simples, a alegria.
E nunca se sentira tão distante de sua casa, distante em todos os sentidos.

Aos 20 anos a vida era um corpo solto de uma nova mulher.
Na estante rústica Marx, Neruda, Lenin, um grande Che a bico de pena pelas mãos da mulher feito enfeitava a parede do local...
O Curso de Economia se transforma em Sociologia e Política.

_ Ana Mara! Adeus passado? Adeus! Passado! - aos berros.

_ Nada disso meu amor! Bom dia vida! Toma a camisa do Santos, e vamos andar na praia, sol já chega...

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Todos temos em nós a nossa essência mais profunda.

Por vezes encoberta por dezenas de instrumentos sociais condicionantes.
Mas tudo isso sufoca e mata. Um dia eclode a real verdade.
Nuns eclode desde cedo seu Ser Socialista. No sentir, nos versos, na mirada do mundo.
Noutros a sua vertente burguesa. E abandona o passado como propoe Milton em sua música.
Tudo reside nas rédeas.

Todos temos rédeas nas mãos, e os cavalos nos aguardam o comando.


"Camiñante, no hay camiño.
 Lo camiño se hace al camiñar."
                Antonio Machado - Poeta Espanhol.

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