Disparando junto
Homenagem a Geraldo Vandré e
João Guimarães Rosa.
O Brasil e seus peoes de trecho.
Essa gente que anda de fazenda em fazenda por temporadas.
Trabalho pouco quando aparece.
E de pago minguado que só leite de mulher magra.
Vaqueiros cujo único bem na vida é seu cavalo e seu suor correndo em trabalho duro.
Por vezes explorado, mas no clamor de seu silêncio faz tremer o dono de gado e de gentes.
Por natureza desconfiado e matreiro.
Olha firme no olho e bem sabe ler a alma.
É um equilibrista da vida, sabe tudo da vida tanto quanto da morte!
Não gosta de matar. Só de muita, mas muita precisão mesmo.
Não fala desses assuntos.
"Passado é sempre morto!
Não olho prá traz não, é prá frente que se anda!"
Nessas dizenças de fala breve, descreve a sua vida.
Geraldo Vandré - Disparada
Prepare o seu coração
Prás coisas
Que eu vou contar
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
Eu venho lá do sertão
E posso não lhe agradar..
Como disse Marx, “as condições materiais da existência determinam o pensar do homem...” e assim sendo, determinam seu modo de agir no mundo. “O sertanejo é acima de tudo um forte” disse alguém com muito acerto. Esse homem forte, diz das coisas de sua vida e de todas as coisas com a maior veracidade, sem temer conseqüências, e afrontando a tudo e a todos. Jamais verga sua coluna se fazendo servo de ninguém. Altaneiro segue seu rumo se o assunto não lhe diz respeito ou não lhe desperta o interesse. Segue seu roteiro tal qual vinha...
Aprendi a dizer não
Ver a morte sem chorar
E a morte, o destino, tudo
A morte e o destino, tudo
Estava fora do lugar
Eu vivo prá consertar...
Em seu rumo muitas são as paragens, as paradas e as tentações da estrada. Batido pela vida mas nunca abatido se vê sempre atento, jamais se deixando levar pela tentação do lucro fácil em vendendo seu pensar. Arredio e certo de si diz NÃO com cada uma das letras e com um incontido prazer. Sarcasticamente zomba de seu pretenso opressor colocando-o em seu devido lugar fá-lo sentir o verme que é. Mas não se para, pois ama oo tempo e o vento da estrada.
Na boiada já fui boi
Mas um dia me montei
Não por um motivo meu
Ou de quem comigo houvesse
Que qualquer querer tivesse
Porém por necessidade
Do dono de uma boiada
Cujo vaqueiro morreu...
Na marcha firme das patas de seu cavalo vai remontando sua história. Os eventos vitoriosos. As doridas derrotas. O aprendizado os revezes enfrentados com galhardia e retidão de caráter. Orgulha-se de si, mirando o horizonte de terras sem fim. Nada o faz temer, muito menos a morte, pois muito já viu da morte, mas nenhum morto por obra de suas mãos. Sorri e agradece às nuvens do céu, como se houvesse um Deus além delas. Apeia do cavalo, o conduz a um córrego e o deixa pastar um tempo...
Boiadeiro muito tempo
Laço firme e braço forte
Muito gado, muita gente
Pela vida segurei
Seguia como num sonho
E boiadeiro era um rei...
Mira o cavalo pastando e pensa nas necessidades poucas que a vida pede. Ao cavalo água, pasto ou ração. A ele ao inverso tem dado o trabalho sempre e a garantia de um bom local para o sono reparador. Sempre tem bom o sono, pois o cansaço da lida com gado, ou da distância de estrada percorrida lhe moem o corpo, dando pouco espaço a pensamentos no tempo em que se acosta.
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E nos sonhos
Que fui sonhando
As visões se clareando
As visões se clareando
Até que um dia acordei...
E toda manhã é nova.
E todo dia é sagrado.
Abençoado pelo trabalho tudo se torna mais fácil e mais cheio de significados.
Dos quarenta anos de vida vinte se foram dando nessa vida estradeira e nas paradas pelas chamadas dos senhores de gado. Seu nome é conhecido por todos os estados desse nordeste brasileiro. Poucas vezes pisa o asfalto seu cavalo, pois conhece mil caminhos prá proteger o pobre bicho das rudezas do asfalto.
_ Civilização qual nada! Baio Branco é quem sabe dos caminhos!
E se ri de contente com a vida que tem.
Então não pude seguir
Valente em lugar tenente
E dono de gado e gente
Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente...
Mas nem sempre foi assim. Teve tempo de família, de filho e de mulher, a estar junto ao tempo e à hora. Dar conta da casa e das coisas de “seu povo”. “Botar filho no mundo todo imbecil bem o sabe. Fazê-lo criado e listo já é coisa só pra poucos.”
Orgulhoso dizia ao pé do filho em sua cidade.
E se deu bem nessa tarefa. Filho criado e bem postado e a mulher a vida quis prá si, morreu serena numa manhã chuvosa de domingo.
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto prá enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar
Nos olhos secos do filho, viu um homem bem formado apesar dos poucos 18 anos.
_ Se teu pai volta, ao mundão do deus dará, sem eia nem peia, por estradas e caminhos que inda hei de desbravar. Como fica esse meu filho?
_ No trabalho e no estudo, meu pai, no trabalho e no estudo!
Foi o primeiro abraço de Geraldo nesse filho tão amado.
_ Assim sendo sigo bem. E trabalho não nos há de faltar.
_ Pois assim seja meu pai. Para mim e pro senhor!
Na boiada já fui boi
Boiadeiro já fui rei
Não por mim nem por ninguém
Que junto comigo houvesse
Que quisesse ou que pudesse
Por qualquer coisa de seu
Por qualquer coisa de seu
Querer ir mais longe
Do que eu...
Desperta das lembranças com a respiração de Baio Branco junto de sua cabeça. Faz um afago no animal e trata de encher o cantil para que não lhe falte água boa.
Era meio de tarde e devia encontrar recanto para o descanso da noite. Para o Baio e para si.
Mas há que cuidar nos caminhos que montaria é valor certeiro. Sempre bom é estar atento ao lugar; às gentes e às falas.
Mas o mundo foi rodando
Nas patas do meu cavalo
E já que um dia montei
Agora sou cavaleiro
Laço firme e braço forte
Num reino que não tem rei
Em linha reta faz bom trote até que uma colina se apresenta e batendo ao pescoço de Baio afirma:
_ Devagar agora companheiro afinal já andamos bem!
Do topo da colina avista um vilarejo, e dentro dele já num grande campo gramado, uma casa ostenta uma placa: “Hotel do Joca”
Amarra o Baio e entra. E de um grito se assusta, pois do fundo do lugar, gargalhando como nunca, aparece o Velho Joca, antigo amigo de lida, de estrada e de canções, sumido fazia anos de todas as paragens.
Quando as mãos se encontram, o estalido cobre o recinto. E antes que Geraldo se refaça:
_ Sou dono disto, e esta casa é tua.
_ Pois vamos acomodar o Baio que hoje não se dorme aqui. Esta noite quem manda é o som da viola! – quase gritando Geraldo afirma exultante de alegria.
_ E depois? – pergunta o leitor
_ Depois não! Agora! – respondo eu.
_ Agora mesmo nós vamos homenagear Geraldo Vandré e João Guimarães Rosa por suas obras tão fortes, e tão cheias de brasilidade.
Um quase nada em vossa homenagem.
Cada qual em seu mistar.
Paulo Cesar – HispanoAmericano
21 de julho de 2012
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