Rua Antonio Bento
Dona Ana Clara acabara de sair da igreja de sua predileção,
na Avenida Ana Costa. Nunca lembrava seu nome, mas nunca esquecia, desde a mais
tenra idade era levada pelas mãos dos pais à missa. Sempre aos domingos e
sempre na missa de 17 horas.
Diziam os pais: “na missa das 18 horas tem muita gente, e
preferimos lá estar com número menor e mais tranquilidade”.
Estivera na igreja para agradecer sua recuperação do
acidente. A moto a tinha deixado por um tempo fora de circulação na sua
cozinha, na sua varanda. Mas o menino não tinha culpa nenhuma. Ela que,
pensando nas compras a fazer no mercadinho do bairro, não atentara a nada.
Simplesmente atravessara, sem olhar, pela traseira de um caminhão.
Após o tempo de tratamento aquela era sua primeira manhã sem
bengala. O médico já a incentivava de semanas, mas: “Cadê coragem?” –
perguntava ao genro e à filha.
Caminhava lento naquela manhã, não apenas pela queda, mas
para olhar as coisas, as ruas, a cidade. Foi nesse passo lento que entrou na
Rua Antonio Bento, rua de sua infância e juventude até o casamento.
Cada trecho da rua lhe fazia brotar uma lembrança. Nunca
mais havia passado por ali a pé. Sempre a filha com o carro a levava a todos os
lugares. A bondade da filha lhe tolhera esse prazer de ver a cidade. Agora
caminhava, lento e sem bengala ia caminhando. Sob o sol da manhã de inverno.
Numa casa, que pensava ser a que havia habitado estancou.
Pela porta aberta da garagem reconheceu seu interior. Era sua própria casa. Um
pranto desatado brotou forte do seu peito. A tal ponto chorou que os dois
rapazes trabalhando na retirada dos detalhes da fachada desceram dos andaimes
para acudi-la. Trouxeram-lhe uma cadeira, um copo de água.
Lentamente o pranto se lhe foi acalmando.
_ Desculpem meninos. Perdão, mil perdões.
_ Está se sentindo mal senhora? Que aconteceu com a Senhora
Dona...
_ Ana. Eu sou Ana Júlia. Morei nessa casa por quase trinta
anos. Sabe o que são trinta anos numa mesma casa? Eram vizinhos e amigos ao mesmo
tempo. Infância. Juventude. Lembranças fortes...
Os dois rapazes se entreolharam meio sem compreender. Nunca
haviam pensado nisso. De seu trabalho ser motivo de tristeza para alguém. Seu
costume é encontrar a alegria de quem faz melhorias em sua residência ou
edifício.
_ É muito chato ver a senhora assim. Não pensamos em fazer
mal...
_ Nada disso meu filho. Eu é que sou uma velha boba. Eu sei.
O mundo precisa mudar mesmo. Eu sei, eu sei. Mas foi só naquele momento
inicial. Agora já acostumei com a ideia.
Refeita e se sentindo verdadeiramente bem Dona Ana Júlia
sorriu para os rapazes.
_ A senhora não quer que chame alguém?
_ Não filho. A Carvalho de Mendonça é logo ali. Obrigada. Já
tomei demais o vosso tempo. Podem voltar para a vossa vida. Eu preciso apenas
de um tempinho mais nesta sombra.
_ Pois fique como quiser. Fique tranquila.
Voltaram os rapazes à tarefa de descascar os detalhes da
fachada da casa. Ao som das pancadas pedaços se desprendiam e vinham ao chão.
Eram pedaços da infância e juventude de Dona Ana Júlia que já não mais cabiam
nos tempos presentes e tinham a obrigação de ceder espaço ao novo.
Dona Ana Júlia riu dos seus sentimentos.
_ Bobagens de velha! – pensou com seus botões.
Levantou e acenou para os rapazes antes de partir:
_ Ei! Que Jesus abençoe vocês. Obrigada!
_ Assim seja, Dona, assim seja!
Paulo Cesar Fernandes
25/06/2014
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