Passagens PósCatólicas
Não podemos viver como réus, e não somos réus nesta vida.
Somos sim protagonistas de construções presentes e pretéritas. Libertos já, dessas
coisas asquerosas que as instituições nos fazem crer: pecado ou culpa.
Ponto final a tudo isso. Construções não condizentes com o
tempo de liberdades construído a duras penas por gerações. Conservadores de
todos os matizes sempre tentaram colocar empecilhos ao Carro da História. Inútil.
Ele segue semovente a despeito de tudo e de todos.
O Movimento Espírita conta com diversos pastores de almas,
encarnados e desencarnados a ditar regras, através das suas obras. Aplacam a
dor de alguns; mas por outro lado, dada a ferocidade de suas certezas, trazem
desequilíbrio e o peso da culpa a outros tantos.
Servem ou desservem à causa da Libertação do Espírito?
Cada qual busque sua resposta. Não a darei eu.
És capaz de um pensar autônomo e liberto? Espero que sim.
Não sou pastor, padre ou espírito guia. Sou apenas um homem
que escreve.
Mesmo Allan Kardec em algumas passagens tem uma postura
postulante do pecado, apesar do não uso da palavra, faz muito empenho em
descrever os sofrimentos após a morte, dos espíritos cuja vida não foi
exemplar. Isto pode não ser um inferno descrito por Dante, mas em muito se
aproxima.
Para minha alegria homens como Jací Régis já falaram da
forte presença Judaico-Cristã em nossas hostes, e no seio da literatura
espírita. Não é de admirar assim, a aceitação intensa do espiritismo dentre os
companheiros vindos da Igreja Católica. O pecado apenas mudou de nome e de
configuração. Mas as penas futuras seguem apavorando os espíritos e os
espíritas.
Essas pessoas apenas mudaram de Igreja.
Ao pensar o espiritismo partindo de outra ótica. Mais
condizente com os tempos líquidos, tempos tecnológicos, e tempos laicos; tais
formas de pensar, mesmo que postas por Kardec em suas obras, se tornam
inaceitáveis. Aprisionam o espírito através do medo do futuro. Das “sombras do
umbral” após a passagem para a imaterialidade.
No senso comum do Movimento Espírita temos a “Lei de Causa e
Efeito”. Uma aberração lógica. Tal lei, se perfeitamente admissível no âmbito
da física com a Terceira Lei de Newton; no concernente ao espírito e sua ética
é completamente equivocada. Em que pese seu uso indiscriminado entre
consagrados oradores e escritores espíritas do porte de Hermínio C. Miranda.
Prefiro me valer do pensamento do argentino Humberto Mariotti
para a análise de tal conceito:
4) A Dialética Palingenésica do Kardecismo
O método kardecista baseia-se na dialética palingenésica do progresso e
da evolução, enquanto o antigo
espiritualismo se funda numa concepção fatalista, no que respeita à lei de causalidade
ou de causas e efeitos. A dialética de Hegel é o grande instrumento com que
se pode conhecer o fenômeno palingenésico, a que está sujeito o Ser em sua
ascendente evolução. Além disso, é por meio da dialética que se poderá
transformar a ideia de reencarnação, que nos vem do Oriente, em renascimento ou
palingenesia dinâmica, para a civilização do Ocidente. Sem o método dialético e
kardecista, a reencarnação continuará sendo um exotismo oriental, sem ligação nem
entrosamento com o processo histórico. (pag. 68)
O espiritismo determina um novo destino para o Ser encarnado, não
obstante a gravitação moral que a lei de causalidade exerça sobre o indivíduo.
Por ser o cristianismo novamente revelado, lutará constantemente contra um
mundo imperfeito e a rigidez mecânica da lei de causas e efeitos. Além disso, ao despertar no homem uma nova
consciência sobre o bem e o mal, dará ao espírito um novo direito: o de
libertar-se desses carmas cegos e inconscientes, pois todo destino inferior poderá
ser modificado, quando o Ser reconheça sua natureza palingenésica. (pag.
106)
In “Humberto Mariotti . O Homem e a Sociedade numa Nova Civilização . PENSE”
Meus grifos no texto de Mariotti visam focar o quanto
libertador é o espiritismo a partir da tomada de consciência do Ser. Não mais
um espírito pecador e com coisas do passado a expiar, mas um Ser liberto e
consciente de sua progressiva jornada no sentido de sua completude.
Somos seres incompletos, e apenas no processo palingenésico
teremos oportunidades de revisão e reordenamento de nossos pensamentos e atos.
Colocando-nos em patamares superiores de compreensão das leis Naturais.
Nada mais de “passado delituoso” a nos atormentar. Mesmo as
deficiências físicas perdem o peso de algo passado e tem sua fonte na genética
do presente. Deixam para trás as explicações metafísicas para pautar apenas em
explicações científicas. E por vezes nas condições materiais e culturais de
toda uma sociedade.
O CatoEspiritismo brasileiro muito tem a ver com as obras de
Emmanuel e André Luis.
É difícil fazer tal afirmação, pois sei da força dada por
essas obras ao soerguimento de muitas almas em desespero, abatidas pela dor da
perda de entes queridos, e outras tantas situações na qual tal literatura tem o
condão de trazer um lenitivo. Mas não podemos ser cegos ao impacto negativo de
forjar o pensamento partindo dos romances de André Luis. Tomar aquilo como
realidade totalizante. Isso é o problema de tal literatura. Se tomado um
romance, como caso elucidativo apenas, é perfeitamente admissível. Mas fazer
disso verdade irrefutável é distorção de compreensão de tudo relativo às Leis
Naturais.
Leis muito mais flexíveis que nosso maniqueísta modo de
pensar. Sim, é mais fácil pensar o mundo partindo de “esqueminhas” prontos e
acabados. E viver dentro dessas armaduras medievais.
Mas nossos tempos não são mais os tempos medievais. Rasgam
nosso cérebro através da neurociência, descobrindo segredos jamais imaginados
pelos espíritos comunicantes de Kardec. Uma nova possibilidade se abre ao
organismo físico e por consequência à expressão do espírito a esse organismo
vinculado.
Vivemos uma fase de transição. E em toda fase de transição a
ortodoxia é a pior companheira. Permitamos ao tempo e à ciência nos revelem
mais e mais de nós mesmos. Nesse ínterim vivamos da melhor forma possível, fazendo
bom uso do tempo e de toda liberdade trazida pela “Era do indivíduo”, tal como
nos propõe Alain Renaut em sua obra assim intitulada.
Liberdade, responsabilidade e Vida em plenitude.
Paulo Cesar Fernandes
27 07 2014