quarta-feira, 25 de junho de 2014

20140625 Somos como o mar

Somos como o mar


Estava lembrando agora nos grandes pensadores da humanidade. Quanta coisa importante eles deixaram para todos nós.


Por exemplo a importância da Razão na condução de nossas vidas. Mas uma coisa me vem à mente: basta a Razão para um bem viver?


Não deveria a razão ter a complementaridade de emoção, de afetividade, de amor mesmo, para dizer claramente e com todas as letras.


Não sei das outras pessoas, mas muitas vezes um novo conhecimento me emocionou, cito tres mas a relação é imensa:


terça-feira, 24 de junho de 2014

20140624 Pensar é dificil

Pensar é dificil
 
 
O Meu Caminho na Fenomenologia
Martin Heidegger

Trechos selecionados.


 
Martin se refugiava na Floresta Negra onde fazia seus trabalhos.


Mesmo depois da publicação das Ideias para uma fenomenologia pura, eu continuava cativo do fascínio que sobre mim exerciam as Investigações Lógicas. Este fascínio suscitava em mim uma inquietude persistente, que desconhecia as suas próprias causas, apesar de pressentir que ela nascia da incapacidade em alcançar, pela mera leitura de bibliografia filosófica, a compreensão clara dessa forma de pensar que se chamava fenomenologia.


Foi então – no inicio mais movido por um pressentimento do que por uma inteligência clara do assunto – que aprendi o seguinte: aquilo que para a fenomenologia dos actos de consciência se realiza como o manifestar-se do fenômeno, foi mais originariamente pensado por Aristóteles e por todo o pensar e existência gregos, enquanto Al jeia, o não-estar encoberto do que está presente, como o seu desencobrimento, o seu mostrar-se. O que as investigações fenomenológicas tinham encontrado, de novo, como atitude portadora do pensar, era afinal o traço fundamental do pensamento grego, se não mesmo de toda a filosofia enquanto tal.


E quanto mais claro se me tornava esta noção, com tanta maior força se me colocava a questão: de onde vem e como se determina, segundo o princípio da fenomenologia, aquilo que deve ser experimentado como a “coisa ela mesma”? [die Sache selbst] Será ela a consciência e a sua objetualidade, ou antes, o ser do ente no seu não-estar-encoberto e no seu encobrimento?


Assim fui levado ao caminho da pergunta pelo Ser, esclarecido pela atitude fenomenológica, num sentido renovado e diferente daquele que me guiava quando me inquietavam os problemas colocados pela dissertação de Brentano. Mas o caminho do questionamento seria mais longo do que eu teria podido supor. Requeria muitas pausas, rodeios e desvios. Aquilo que procurei fazer nas primeiras lições de Friburgo, depois nas de Marburgo, não mostra senão indiretamente esse caminho.



Porém, a Fenomenologia, naquilo que lhe é mais próprio, não é de todo uma tendência. Ela é a possibilidade do pensar, que, indo-se transformando com os tempos, e só por isso, permanece como tal,
para corresponder à exigência daquilo que há que pensar-se. Se assim fosse tomada e conservada, então bem pode desaparecer enquanto título, em favor da “coisa do pensar” [Sache des Denkens], cujo estar-revelado continua a ser um mistério.


===

Não. Não é fácil o caminho do pensar e do compreender pensamentos mais complexos.


Se o Professor Martin teve confessas dificuldades como fica evidente no primeiro parágrafo do texto por mim selecionado.


Que dirá de nós?


Com nossa tão precária formação no desenvolvimento dos processos mentais e de profundezas do pensar?


É bom saber que as dificuldades enfrentadas são as de todos os homens.


Paulo Cesar Fernandes

24 06 2014

sábado, 21 de junho de 2014

20140621 Eu, naquele tempo tinha 25 anos

Eu, naquele tempo tinha 25 anos

 
Pintura de Sandro Luporini da imagem de Gaber
 
 

Eu naquela época estava com 60 anos.
Estávamos nos anos 2000, praticamente agora.
E vendo as novas gerações de 25 anos de agora me pergunto:
que herança deixamos aos nossos filhos?




Talvez, em alguns casos algum bem estar.
Mas não é esse o ponto.
Quero falar de uma ideia, um sentimento, uma moral, uma visão de mundo...



Não, eu não sei de tudo isso.
Mas agora, onde teremos errado?
Sim: o antigo coro da tragédia grega.
Os filhos devem pagar pelos erros dos pais.


Talvez tenhamos sido pais insensíveis, autoritários,
comandantes de instituições estúpidas?
Não. Onde estão agora as nossas culpas? os nossos erros?
Num dado momento era muito fácil para nós sermos pacifistas, antiautoritários e democráticos.



Nossos pais haviam feito a resistência (ao fascismo, nazismo se refere o autor)
Por que ao invés de defender nosso empenho libertário não olhamos mais atentamente o avanço do desenvolvimento insensato?

Por que ao invés de falarmos do bem e do mal não levantamos um muro contra a mão invisível e sem podor do mercado?
Por que enquanto advertíamos sobre os problemas do consumo,
comprávamos motinhos para nossos filhos?

Por que não mais nos rebelamos contra a violência dos objetos de consumo?

O mercado agradece.
Demos nossa preciosa contribuição.



Mas voces.
Sim, voces como filhos, não tem uma única culpa.

Onde está o sinal de uma vida diferente?
Talvez eu é que não vejo. Me respondam:
onde está o sinal de algo que vai renascer?
onde está vossa luta individual contra um inimigo?
Que resistência fizeram contra o Poder, contra a ideologia dominante, contra a nadificação do indivíduo?


Concordo, nada posso cobrar da vossa impotência.
Devo pensar na minha.
Mas me expliquem por que vos deixastes abandonar assim, numa inércia silenciosa e passiva?
Por que se resignaram a essa vida madíocre, sem sombra de um desejo, reivindicação, uma proposta qualquer?

Talvez seja meu interior a pedir algo mais espetacular, mais raivoso, mais violento?
Não!

Mais vital, mais rigoroso, algo que possa exprimir uma recusa, uma indignação, uma dor...



Qual dor?
Enfim não mais sabemos o que é a dor!
Estamos presos a uma espécie de neurose, de depressão...
Certo! É a marca do nosso tempo.

E quando a neurose e a depressão se insinuam dentro de nós
tudo nos parece desprovido de significação.



Podemos dizer a mesma coisa da dor? Não!



A dor é visivel, clara, localizada,
enquanto a depressão evoca um mal sem local definido,
sem substância, sem nada...
salvo o fato de que é esse nada não identificável o que te corroe.

===

Autores do texto: Giorgio Gaber e Sandro Luporini

Giorgio Gaber morreu na passagem de 2002 para 2003.
Logo este texto é de 2001 ou 2002 um dos últimos de sua vida.
Da mesma época de "Não ensineis às crianças". Já postado.


Minha gratidão a esses
dois pensadores pelo tanto que ajudaram a
me construir intelectualmente,
dentre tantos outros pensadores e artistas.



Paulo Cesar Fernandes

21 06 2014


sexta-feira, 20 de junho de 2014

20140620 Dê Um Rolê

Dê Um Rolê
Os Novos Baianos



Não se assuste pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa
Não se assuste pessoa
Se eu lhe disser que a vida é boa

E é boa a vida, sim boa com a gente.

A gente é que nunca percebe quando nos chega a bondade.


Desatentos a tudo de bom brotando em nossa vida.


Desatentos ao bom e superligados ao mal em todas as suas manifestações.

Nos preocupamos logo em lhe botar uma lente de aumento.

Que infantis somos nós

Quando haveremos de crescer para brincar com a vida, dentro de todas as suas fases?

Não me perguntes como vou, te desfio um rosário.

Quando não achamos a vida boa é que estamos no lugar errado, olhando a vida do lugar errado.

É tudo uma questão de ponto de vista.



Enquanto eles se batem,
dê um rolê e você vai ouvir
Apenas quem já dizia,
Eu não tenho nada
Antes de você ser eu sou
Eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés




Assim deve ser

Enquanto o mundo se bate em lutas sem fim e sem fin
Sem fim de término e
Sem fin de finalidade


Demos nós um rolê na nossa vida

Para perceber. Não ter nada

Seja talvez a melhor forma de ter tudo ao pé de si

E despojados de nós mesmos, mais capazes no amar

Assim capazes de dizer "sou amor da cabeça aos pés".



E só tô beijando o rosto de quem dá valor
Pra quem vale mais o gosto do que cem mil réis
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés
Eu sou, eu sou, eu sou o amor da cabeça aos pés




E o dinheiro serve para que? Para me dar prazeres.


Mas quem tem quem?

Eu tenho o dinheiro e o uso
Ou ele me tem fazendo-me seu escravo?


Pulo fora de tudo pela minha liberdade.
Não dou, nem troco, nem vendo.
Liberdade é a alma da vida.
E só ponho respeito em quem por ela luta.


Pobre palavra.


Em seu nome ditaduras diversas ao redor do mundo.


Só é real e atual
A Liberdade individual do Ser pensante

Todo o resto é ilusão passageira como uma paixão de carnaval.


Ou, poéticamente dizendo...

Como a chuva das tres em Belém do Pará.



Paulo Cesar Fernandes

20 06 2014

terça-feira, 17 de junho de 2014

20140617 Mesmo roteiro

Mesmo roteiro


As trilhas do amanhecer no inverno são mais propícias ao amor.
Claridade adentra o quarto pelas frestas da janela, filetes de luz. Numa semipenumbra estonteante de tão bela.


O corpo silente. A respiração serena. Pura contemplação. Focos de deslumbre ao nascer de cada dia. Pois tudo é belo no alvorecer do amor.


Tempo passa e se esfacela a poética.


Tudo tem sabor de rotina desinteressando ambas as partes. Uma parte se vai em busca de outras paragens, outros quartos, outros amanheceres...


A vida deu mais um passo, novo silente corpo se postará à admiração no mesmo nicho.


É o ciclo perene da renovação. Nem nisso me cabe a mesmiçe.



Paulo Cesar Fernandes

17 06 2014

20140617 Seres musicais

Seres musicais


Momentos há que somos dissonâncias. Outros, somos acordes musicais perfeitos.


Se esvai nossa persona, e tantas outras personas nos habitam, enigmáticas por vezes, ou com sua alegria, energia, vitalidade e amor.


Somos música pisando as pedras de nossa cidade.


Somos o interior de nossa mais interna musicalidade. Nascida sabe-se lá de que autores, cantores; nada mais nos atém que os sons e as palavras, os assaltantes de nossa alma.


Serena, calmamente nos aconchegamos no âmago da situação e permitimos o fluir do tempo.


Afinal. Quantas vezes a arte nos faz seu portavoz?


Desliza o tempo da melodia, quem sabe dia venha em que, de tal convivência nos façamos poetas musicais.


De verdade e a seco. No escorrimento de uma nova potencialidade. Pois a música é fiel companheira de todas as horas.


"Minha música, musa única..." como diz Gilberto.


Brotará a nascer assim, nova e cristalina. Benfazeja. Dessedentando dores e dúvidas. Um roteiro em nada panfletário. Com diretriz sugestiva apenas. Nada religiosa, nem de vanguarda.


Acordes e conceitos aceitos no coração de toda gente, pois vinda da matriz da sinceridade. Toca a alma. Como sai do coração, chega ao outro coração, fechando assim, o processo de comunicação.


Disso tudo dirá o tempo. Aberto me faço para tudo fazer, desde que seja para ter utilidade.


Paulo Cesar Fernandes

16 06 2014

sábado, 14 de junho de 2014

20140614 Hino à molecada do Santos F C


Hino à Base do Peixe

 

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Cem vezes no mesmo lugar

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Basta saber trabalhar

 

Urbano Caldeira Glorioso

És sempre o ponto central

De tantos meninos que brotam

Da bola sendo genial.

 

Urbano Caldeira Glorioso

Mil nomes eu diria aqui

Tantos amantes e craqes

Memória não vai resistir

 

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Cem vezes no mesmo lugar

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Basta saber trabalhar

 

Urbano Caldeira Glorioso

Alçapão do meu Brasil

Não há visitante seguro

Se da base vê surgir

 

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Cem vezes no mesmo lugar

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Basta saber trabalhar

 

Eu não deixei a escola

Fui ficando por aqui

Hoje as portas se abrem

Apenas sou mais um guri.

 

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Cem vezes no mesmo lugar

O raio cai, O raio cai, O raio cai,

Basta saber trabalhar

 

Paulo Cesar Fernandes

06 02 2014

 


 


 

Nota: O time paulista que mais valor dá aos seus novos talentos merece um Hino a esses talentos.

quarta-feira, 11 de junho de 2014

20140611 André Comte-Sponville O Homem


O homem

André Comte-Sponville

 

 

O homem é uma coisa a sagrada para o homem (SÊNECA)

 

 

O que é um homem? Respostas é que não faltam na história da filosofia. É o homem um animal político, como queria Aristóteles? Um animal falante, como também ele dizia? Um animal de duas patas sem penas, como afirmava com graça Platão? Um animal razoável, como pensavam os estóicos depois os escolásticos? Um ser que ri (Rabelais), que pensa (Descartes), que julga (Kant), que trabalha (Marx), que cria (Bergson)?

 

Nenhuma dessas respostas, nem a soma delas, me parecem totalmente satisfatória. Primeiro porque são, quanto à extensão, possivelmente largas demais e certamente restritas demais. Uma boa definição deve valer para todo o definido, e somente para ele. Não é o caso destas, tão famosas, porém, que acabo de evocar. Imaginemos que se prove a existência, nos golfinhos ou em algum extraterrestre, de uma linguagem, de uma organização política, de um pensamento, de um trabalho, etc. Isso não faria do golfinho ou do extraterrestre um homem, como tampouco transformaria o homem em cetáceo ou marciano. E que dizer dos anjos e do seu riso possível?
 

Definições amplas demais, portanto, já que não valem apenas para o definido: um ser pode viver em sociedade, falar, pensar, julgar, rir, produzir seus meios de existência... sem por isso fazer parte da humanidade.

 
Mas as mesmas definições também são estreitas demais, já que não valem para todo o definido: o débil mental profundo não fala, não raciocina, não ri, não julga, não trabalha, não faz política... Nem por isso deixa de ser homem. Vive em sociedade? Também não, e talvez menos que alguns dos nossos animais domésticos. Quem, no entanto, admitiria que fosse tratado como um bicho, mesmo que como um bicho bem tratado? Quem iria querer pô-lo num zôo? Vão me dizer que às vezes fez-se bem pior, o que todos sabemos. Mas que filósofo julgaria isso aceitável?


Se o golfinho ou o extraterrestre, mesmo que sejam inteligentes, não são homens, e se o débil mental profundo é (como vocês devem ter compreendido, é principalmente este último ponto que importa), forçoso é concluir que nossas definições funcionais ou normativas não são corretas: um homem continua sendo homem mesmo quando cessa de funcionar normalmente. O que significa que nem as funções nem as normas poderiam valer como definição. A humanidade não se define pelo que faz ou sabe fazer. Pelo que é? Sem dúvida. Mas o que é ela? Nem a razão, nem a política, nem o riso, nem o trabalho, nem uma faculdade qualquer são característica distintiva do homem. O homem não tem característica distintiva, em todo caso nenhuma característica distintiva basta para defini-lo.

Foi o que Diderot compreendeu. No verbete ‘“Homem” da Enciclopédia, ele esboça uma definição:
 
“É um ser senciente, reflexivo, pensante, que passeia livremente pela superfície da terra, que parece estar à frente de todos os outros animais que ele domina, que vive em sociedade, que inventou ciências e artes, que tem uma bondade e uma maldade que lhe são próprias, que criou senhores para si, que fez leis para si, etc.”

 

Essa definição tem as mesmas qualidades e as mesmas fraquezas que aquelas de que partimos. Mas Diderot sabe disso. E o fim da sua definição dá como que um sorriso, que a ilumina e anula: “Esta palavra só tem significação precisa se nos lembrar tudo o que somos; mas o que somos não pode ser compreendido numa definição.”

 
Como falar dos direitos humanos, porém, se não se sabe de que - ou de quem - se fala? Faz-se necessário pelo menos um critério, um sinal distintivo, uma marca de pertinência, o que Aristóteles chamaria de uma diferença específica. Qual? A própria espécie, à qual pertencemos. Antes de mais nada, a humanidade não é um desempenho, que dependeria dos seus sucessos. Ela é um dado, que se reconhece até em seus fracassos.

 
Aqui precisamos voltar à biologia. Não para encontrar outras características definidoras, que seriam igualmente discutíveis: a posição ereta, o polegar oponível aos outros dedos, o peso do cérebro ou a interfecundidade também têm, no seio da humanidade, suas exceções. Se é necessário voltar à biologia, não é essencialmente para definir um conceito, mas para reatar com a experiência, que é a experiência da humanidade sexuada, da concepção, da gestação, do parto - dos corpos. Todos nascidos de uma mulher: todos gerados, e não criados. Tanto o débil mental quanto o gênio. Tanto o homem de bem quanto o crápula. Tanto o velho como a criança. E isso extraterrestre algum, anjo algum, jamais poderá pretender. A humanidade é antes de mais nada certa espécie animal. Seria um erro se o lamentássemos: não só por causa dos prazeres que isso nos proporciona, e que são vivos, mas porque seria lamentar a única coisa que nos permite existir. Somos mamíferos, lembra Edgar Morin, fazemos parte “da ordem dos primatas, da família dos hominídeos, do gênero homo, da espécie sapiens...”. Essa pertinência desemboca em outra definição mais genérica.

 
É a que forjei para meu uso pessoal e que sempre me bastou: é um ser humano todo ser nascido de dois seres humanos. Biologismo estrito, e precavido.

 
Fale ou não fale, pense ou não pense, seja ou não capaz de socialização, de criação ou de trabalho, todo ser que cabe nessa definição tem os mesmos direitos que nós (mesmo se, de fato, não os pode exercer), ou antes mas dá na mesma, temos os mesmos deveres para com ele. 

 
A humanidade é um fato antes de ser um valor, uma espécie antes de ser uma virtude. E, se pode vir a ser valor ou virtude (no sentido em que a humanidade é o contrário da desumanidade), é antes de tudo por fidelidade a esse fato e a essa espécie. “Cada homem traz a forma inteira da humana condição”, dizia Montaigne. Disso, nem o pior de nós escapa. Há homens desumanos à força de crueldade, de selvageria, de barbárie. Mas seria ser tão desumano quanto eles contestar sua pertinência à humanidade.

 
Nascemos homens tornamo-nos humanos. Mas quem não consegue se tornar, nem por isso deixa de ser homem. A humanidade é recebida, antes de ser criada ou criadora. Natural, antes de ser cultural. Não é uma essência, é uma filiação: homem, porque filho de homem.

 
Isso levanta a questão da clonagem, da eugenia, de uma eventual fabricação artificial do homem – ou do super-homem. E é, para mim, uma razão forte para rejeitá-las. Se a humanidade se define antes pela filiação que por sua essência, antes pela geração que pelo espírito, enfim, antes por nossos deveres em relação a ela que por suas funções ou desempenhos, há que fincar pé tanto nessa filiação, quanto nessa geração e nesses deveres. A humanidade não é um jogo; é o que está em jogo. Não é antes de tudo uma criação, mas uma transmissão. Não é uma invenção, mas uma fidelidade.

 

Não passa pela cabeça de ninguém condenar o fato de podermos utilizar os formidáveis progressos da genética para proporcionar a todo ser humano, na medida do possível, a plenitude da sua humanidade (é o que se chama de terapia gênica). Mas isso não é um motivo para querer transformar a própria humanidade, nem que seja para melhorá-la. A medicina combate as doenças; mas a humanidade não é uma doença, o que significa que não poderia depender legitimamente da medicina.

 
Superar o homem? Seria traí-lo ou perdê-lo. Todo ser tende a perseverar em seu ser, dizia Spinoza, e o ser de um homem é destruído tanto se ele se metamorfosear em anjo como em cavalo... Eugenia e barbárie coincidem.

 
Curar um indivíduo, sim, e nunca seria demais tentá-lo. Modificar a espécie humana, não. Sei que a fronteira entre as duas coisas, em se tratando das terapias gênicas, é tênue ou problemática. Mais um motivo para refletir sobre esse assunto, e para estar atentos. O homem não é Deus: só continuará plenamente humano se aceitar não ser nem a sua causa nem a sua ruína.

 

O fato de a humanidade ser antes de mais nada uma espécie animal levanta também, e sobretudo, a questão do humanismo. A palavra pode ser tomada em dois sentidos. Há um humanismo prático ou moral, que consiste simplesmente em atribuir certo valor à humanidade, em outras palavras, a impor a si certo número de deveres e de proibições em relação a todo ser humano. É o que hoje se chama de direitos humanos, ou antes, seu arraigamento filosófico: se os homens têm direitos, é antes de mais nada porque temos deveres, todos nós, uns para com os outros. Não matar, não
torturar, não oprimir, não subjugar, não estuprar, não roubar, não humilhar, não caluniar... Esse humanismo é uma moral antes de ser uma política, e é quase sempre a moral dos nossos contemporâneos.


Por que já não consideramos a masturbação ou a homossexualidade coisas condenáveis? Porque não fazem mal a ninguém. Por que continuamos a condenar, e mais que nunca, o estupro, o proxenetismo, a pedofilia? Porque esses comportamentos supõem ou acarretam a violência, a subjugação do outro, sua exploração, sua opressão, em suma, porque violam seus direitos, sua integridade, sua liberdade, sua dignidade... Isso esclarece o bastante o que a moral se tornou em nossas sociedades leigas. Não mais a submissão a uma proibição absoluta ou transcendente, mas a consideração dos interesses da humanidade, antes de mais nada do outro homem ou da outra mulher. Não mais um apêndice da religião, mas o essencial, cá estamos nós outra vez, do humanismo prático. Por que “prático”? Porque ele diz respeito mais à ação (praxis) que ao pensamento ou à contemplação (theoría). O que está em jogo não é o que sabemos ou cremos da humanidade, mas o que queremos para ela. Se o homem é sagrado para o homem, como já dizia Sêneca, não é porque seria Deus, nem porque um Deus assim ordena. É porque ele é homem, e isso basta.

 

Humanismo prático, portanto: o humanismo como moral. É agir humanamente, e pela humanidade.

 

Mas há outro humanismo, que podemos chamar de teórico ou transcendental. De que se trata? De certo pensamento, de certa crença, de certo conhecimento, ou que se pretende tal: é o que saberíamos, ou o que deveríamos crer, do homem e do seu valor, e que viria fundar nossos deveres em relação a ele... Esse humanismo tropeça no saber que ele próprio reivindica. Porque o que sabemos do homem é, antes de mais nada, que ele é capaz do pior, vejam Auschwitz, e com maior frequência é mais capaz do medíocre que do melhor. Depois, vejam Darwin, é que ele não escolheu ser o que é (que ele é mais resultado do que princípio). Enfim, é que ele não é Deus, já que tem um corpo (que o impede de ser onipotente, perfeito ou imortal), uma história, primeiro natural depois cultural, enfim uma sociedade e um inconsciente que o governam muito mais, infelizmente, do que ele os governa. É aí que as ciências humanas - vejam Freud, Marx, Durkheim... - aparecem para subverter a ideia que temos de nós mesmos: o anti-humanismo teórico deles, como dizia Althusser, nos veda crer no homem como críamos em Deus, em outras palavras, nos veda transformá-lo em fundamento do seu ser, dos seus pensamentos ou dos seus atos. “O objetivo final das ciências humanas”, escreve por exemplo Lévi-Strauss, “não é constituir o homem mas dissolvê-lo”, o que supõe que se reintegre “a cultura na natureza, e finalmente a vida no conjunto das suas condições físico-químicas”. O homem não é causa de si, nem essencialmente senhor de si, nem, menos ainda, transparente a si mesmo. Ele é o resultado de certa história, que o atravessa e o constitui sem que ele saiba. Ele só é o que faz porque é, antes de tudo, o que o faz (seu como, seu passado, sua educação...). Se o homem “é condenado a cada instante a inventar o homem”, como dizia Sartre, não o faz a partir de nada.


A humanidade não é uma página em branco, nem pura criação de si por si. É uma história, é um determinismo, ou vários, é uma aventura.

 

“O homem não é um império no império”, já dizia Spinoza: ele faz parte da natureza, cuja ordem ele segue (inclusive quando parece violá-la ou devastá-la), ele faz parte da história, que ele faz e que o faz, ele faz parte de uma sociedade, de uma época, de uma civilização... O fato de ele ser capaz do pior é fácil de explicar. É um animal que vai morrer, e que sabe que vai, que tem mais pulsões que instintos, mais paixões que razões, mais fantasmas que pensamentos, mais cóleras que luzes... Edgar Morin tem uma bela fórmula: “Homo sapiens, homo demens.” Tanta violência nele, tantos desejos, tantos medos!


Sempre temos razão de nos proteger dele, e é essa a única maneira de servi-lo.

 

“Deploro a sorte da humanidade”, escrevia La Mettrie, “de estar, por assim dizer, em mãos tão ruins como as dela.” Mas não há outras: nossa solidão também comanda nossos deveres. O que as ciências humanas nos ensinam sobre nós mesmos, e que é precioso, não poderia fazer as vezes de moral. O que sabemos do homem não diz nada, ou quase nada, sobre o que queremos que ele seja. O fato de o egoísmo, a violência ou a crueldade serem cientificamente explicáveis (por que não seriam, se são reais?) não nos ensina nada sobre seu valor. O amor, a doçura ou a compaixão também são explicáveis, pois que existem, e valem mais. Em nome de quê? Em nome de certa ideia do homem, como dizia Spinoza, que seja “como um modelo da natureza humana, posto diante dos nossos olhos”.
 

Conhecer não é julgar, e não exime de julgar. O anti-humanismo teórico das ciências humanas, longe de depreciar o humanismo prático, é o que lhe dá sua urgência e seu estatuto. Não é uma religião, é uma moral. Não é uma crença, é uma vontade. Não é uma teoria, é um combate. É o combate pelos direitos humanos, e o primeiro dever de cada um de nós.


A humanidade não é uma essência, que seria necessário contemplar, nem um absoluto, que seria necessário venerar, nem um Deus, que seria necessário adorar: ela é uma espécie, que é necessário preservar, uma história, que é necessário conhecer, um conjunto de indivíduos, que é necessário reconhecer, enfim um valor, que é necessário defender. Trata-se, dizia eu a propósito da moral, de não ser indigno do que a humanidade fez de si, e de nós. É o que chamo de fidelidade, que me importa mais do que a fé.
 

Crer no homem? Melhor é conhecê-lo tal como ele é, e desconfiar dele. Mas isso não nos exime de permanecer fiéis ao que os homens e as mulheres fizeram de melhor - a civilização, o espírito, a humanidade mesma -, ao que deles recebemos, ao que queremos transmitir, em suma, a certa ideia do homem, de fato, mas que deve menos ao conhecimento do que ao reconhecimento, menos às ciências do que às humanidades, como se dizia antigamente, enfim, menos à religião do que à moral e à história.

 
Humanismo prático, repitamos, muito mais que humanismo teórico: o único humanismo que vale é agir humanamente. O homem não é Deus. Cabe a nós fazer que seja pelo menos humano.

 
Montaigne, no fim da Apologia de Raymond Sebond, lembra-se de uma frase de Sêneca: “Que coisa vil e abjeta é o homem, se não se eleva acima da humanidade!” E acrescenta este comentário: “Eis aí uma boa palavra e um útil desejo, mas igualmente absurdo. Porque fazer o punhado maior que o punho, a braçada maior que o braço e esperar dar uma passada maior que a extensão das nossas pernas, é impossível e monstruoso. Nem que o homem suba acima de si e da humanidade.” Resta fazer que ele não desça abaixo, e isso nunca é garantido.

 
Humanismo sem ilusões, e de salvaguarda. O homem não morreu: nem como espécie, nem como ideia, nem como ideal. Mas é mortal; o que é mais uma razão para defendê-lo.

 

In: Comte-Sponville, André. Apresentação da filosofia.

São Paulo. Martins Fontes,2002. pg.125-133.

 

O autor nasceu em Paris, em 1952.

 É professor-doutor de filosofia da Universidade de Paris e escreveu dentre outros livros,

 “Pequeno Tratado das Grandes Virtudes”.

É colega de trabalhos de Salvatore Luc Ferry ou Luc Ferry simplesmente

 
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Paulo Cesar Fernandes

11 06 2014

segunda-feira, 2 de junho de 2014

20140602 Martin Heidegger Da experiência do pensamento (Poema

DESDE LA EXPERIENCIA DEL PENSAMIENTO
-Aus der Erfahrung des Denkens-

Martin Heidegger

Traduce Pablo Mora a partir de las traducciones al italiano y al español
de Francesco Favino y J. B. Llinares, respectivamente.
www.poesia.org
Mayo, 2001

 
1
Camino y equilibrio,

sendero y saga

se encuentran en un paso.

Ve y porta,

yerra y pregunta

a lo largo de tu único desfiladero.


2
Cuando la luz matutina silenciosamente crece sobre los montes…
El oscurecimiento del mundo no alcanza jamás la luz del ser.

Demasiado tarde venimos para los dioses y demasiado

pronto para el ser,

cuyo poema iniciado es el hombre.

Encaminarse a una estrella, solamente esto.

Pensar es la concentración sobre un pensamiento,

que permanece fijo como una estrella en el cielo del mundo.



3
Cuando la veleta delante de la ventana de la choza canta al

levantarse la tormenta…
Cuando el coraje del pensar brota del reclamo del ser,

entonces florece el lenguaje del destino.

Tan pronto tenemos la cosa ante los ojos y en el corazón,

prestamos atención a la palabra, el pensar surge.

Pocos son suficientemente expertos en distinguir

entre un objeto aprendido y una cosa pensada.

Si fuéramos en el pensar adversarios antes que simples rivales,

más fácil vendría a ser el asunto del pensar.



4
Cuando de repente bajo el pluvioso cielo desgarrado se

desliza un rayo de sol

sobre la oscuridad de los prados alpinos…


No somos nosotros los que vamos tras los pensamientos.

Son ellos los que vienen a nosotros.

Esta es la hora propicia para el coloquio.

Nos prepara para la meditación compartida. Ésta ni

hace resaltar la opinión contraria ni tolera el

asentimiento sumiso.
 
El pensar permanece rasante al filo del asunto.

Por tal sociabilidad quizás algunos se convierten en

compañeros en el oficio del pensar. Hasta que,

inesperadamente, uno de ellos resulta maestro.



5
Cuando al inicio del verano florecen en el prado extraños narcisos

y bajo el arce brilla la zarzarrosa…


El lujo de la sencillez.

Sólo la forma conserva la visión.

No obstante la forma reposa en la poesía.

¿Quién podría, mientras quiera evitar la tristeza, suscitar la claridad?

El dolor regala su virtud saludable allí donde no la suponemos.



6
Cuando el viento, cambiando pronto, muge en la armadura de la cabaña

y el tiempo se hace tedioso…

Tres peligros amenazan el pensamiento.

Peligro bueno y por lo tanto saludable es la

vecindad del poeta cantor.

Peligro malo y por tanto agudísimo es el pensar

mismo. Debe pensar contra sí mismo: cosa que

puede sólo raramente.

Peligro infiel y por tanto confuso es el filosofar.



7
Cuando en el día veraniego la mariposa se aloja en las

flores y, cerradas las alas,

con ellas abanica al viento del prado…


Todo estado valiente del ánimo es la resonancia del

alentar del ser, que nuestro pensar recoge en el

juego del mundo.

En el pensar cualquier cosa aparece solitaria y lenta.

En la paciencia prospera la magnanimidad.

Quien piensa en grande, debe errar en grande.



8
Cuando el torrente montano en el silencio de las noches

cuenta su precipitar sobre las peñas rocosas…


Lo más antiguo de cuanto es antiguo viene en

nuestro pensar tras de nosotros y hacia nosotros.

Por esto el pensar se da en el adviento de lo sido y es repensar.

Ser antiguo significa: pararse a tiempo donde el

único pensamiento de una vía del pensar vibre al unísono.

El paso de la filosofía al pensar del ser lo podemos

pretender, apenas nos sea familiar el origen del pensar.



9
Cuando en las noches invernales, tormentas de nieve

sacuden la cabaña y después una mañana el paisaje es

cubierto por su manto nevado…


La saga del pensar reposaría en su esencia, apenas

llegase a ser incapaz de decir qué debe quedar deshecho.

Tal incapacidad llevaría al pensamiento delante de la cosa.

No existe jamás el hecho y el dicho en ninguna fábula.

¿Quién podría ponderar el asombro de que siempre

y de repente un pensamiento sea?



10
Cuando de las pendientes del alto valle, de allá

arriba los rebaños lentamente traen dindón, dindón…


El carácter poético del pensar está todavía velado.

Donde éste se manifiesta, iguala por largo tiempo

la utopía de un intelecto semipoético.

Mas el poetizar pensante equivale a la topología del

ser en la verdad.

Ésta indica a éste la localidad de su esencia.



11
Cuando la luz de la tarde, cayendo sobre algún punto de la

selva, dora los troncos…


Cantar y pensar son los troncos vecinos del poetizar.

Éstos irrumpen del ser y alcanzan su verdad.

Su relación hace evocar el canto de Hölderlin a los

árboles silvestres:

"Y desconocidos el uno del otro permanecen,
 
mientras están erguidos, los troncos vecinos ".



12
Extiéndense selvas

precipítanse torrentes

rocas permanecen

lluvia cae.

 
 
Campos esperan

brotan fuentes

vientos moran

medita la gracia.


Martin Heidegger   -   1947

domingo, 1 de junho de 2014

20140601 El sueño de los héroes (Pelicula ARG


Título: El sueño de los héroes

Ficha técnica
Dirección: Sergio Renán
Producción: Jorge Rocca   Eliseo Álvarez
Guion: Jorge Goldemberg   Sergio Renán  
Basado en la novela homónima de Adolfo Bioy Casares
Música: Jaime Roos
Fotografía: Carlos Torlaschi
Montaje: Luis César D'Angiolillo



Protagonistas

Germán Palacios
Soledad Villamil
Damián De Santo
Lito Cruz
Fabián Vena
Rita Cortese
Fernando Fernán Gómez
Luis Brandoni
Diego Peretti


Datos y cifras

País(es): Argentina
Año: 1997
Estreno: 6 de noviembre de 1997   (Argentina
Género: Drama
Duración: 120 minutos
Idioma(s): Español


Trama

El personaje principal es Emilio Gauna. Dicho personaje hace una apuesta de caballos, gana e invita a sus amigos y a un "doctor" a festejar ya que era época de
carnavales. La historia se centra en que Gauna búsca repetir los festejos de las noches de carnaval que vivió años atrás, para lo cual reúne al viejo grupo de amigos
circunstanciales y reitera las actividades, pero en el lapso entre un carnaval y otro, conoció a una mujer, y ya nada será igual.


Elenco

Germán Palacios - Emilio Gauna
Soledad Villamil - Clara
Damián De Santo - Pegoraro
Lito Cruz - Valerga
Fabián Vena - Antúnez
Rita Cortese - Mujer del corralón
Fernando Fernán Gómez - Taboada
Luis Brandoni - El mudo
Diego Peretti - Maidana
María José Gabín - Madama
Gonzalo Urtizberea - Massantonio
Juan Ignacio Machado - Larsen
Eduardo Cutuli - Santiago


Premios

Premio Cóndor de Plata a la Mejor Dirección de Arte por Margarita Jusid.
Nominación al Cóndor de Plata al Mejor Actor Germán Palacios.
Nominación al Cóndor de Plata al Mejor Guion Adaptado.
Nominación al Cóndor de Plata a la Mejor Actriz de Reparto Soledad Villamil.


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A Ditadura Cultural nos proíbe de  ver mais este filme.

Paulo Cesar Fernandes

01 06 2014