Perdas
Estava no quilo onde costumo ir aos domingos.
Deitava grão de bico no prato. Lembrei de quanto o Nick gostava de almoçar comigo, sendo este um dos seus petiscos favoritos.
Me bateu uma profunda tristeza em saber vazia a casa. Sem a presença daquele pequeno mijãozinho. Companheiro por quase quinze anos.
E eu vinha curtindo a minha dor, quando do nada um pensamento se fez presente:
_ E se fosse um filho teu? Como tantos filhos assassinados neste Brasil imenso e injusto?
Me recompus de imediato. Os olhos tristes retomaram a cor, e a esperança sempre presente voltou.
_ Eu não tenho o direito de tanta dor por um cão, - pensei eu - se ao mesmo tempo pais e mães das mais diversas classes sociais tem seus filhos arrancados de seu convívio.
Efetivamente não tenho esse direito.
Segundo o jurista Luis Flávio Gomes, meu referencial na área jurídica, são 300 mortes por dia no Brasil: 170 por acidentes de trânsito e 130 por armas de fogo.
Isto é muito mais que perdia a Nicarágua na Revolução Popular Sandinista, com início a 19 de julho de 1979. Alí a direita, a burguesia vendepátria e os mercenários financiados pelos EEUU matavam e destruiam a produção. Como ocorre hoje na Venezuela. Os vendepátria se unem contra o povo.
Mas nunca chegou a tal número de mortes/dia na Nicarágua.
Voltando à nossa dor. É claro que o Nick ainda está presente em minha vida. Criei hábitos de convivência.
Por exemplo, nos assaltos à geladeira depois da meia noite eu não acendia a luz da cozinha, pois ele reivindicava seu quinhão latindo bastante. Isso não é bom para vizinho nenhum. Assim, assaltava a geladeira de luzes apagadas.
Muitas vezes, ainda hoje pego as coisas sem acender a luz da cozinha.
Toda perda doi muito.
Mas o que mais faz doer meu coração é a perda de humanidade de algumas pessoas.
Quando o racismo se apresenta ao Paulão; Arouca; Aranha; e tantos outros. O coração racista e preconceituoso perdeu sua humanidade. Perdeu sua sensibilidade.
Perdeu, perdeu demais.
Mas o ódio não nos cabe. Mais vale a serenidade. Acolher o desequilíbrio do outro com carinho até.
Assim como o grão de bico ajuda a alimentar o meu corpo; o amor deve ajudar a me alimentar; eu, ser viajante de tantas eras e de tantas aventuras e venturas vivenciadas.
Não cabe o ódio nas trilhas deixadas por Francisco de Assis.
Paulo Cesar Fernandes.
31/08/2014
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