Vida cotidiana
Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã...
Chico Buarque
Ele. Exatamente ele, o cotidiano, é capaz de mastigar rapidamente qualquer possibilidade de fuga à mediocridade. Todas as energias do homem são tragadas pelo excesso de atividades do universo diário. Pelo cotidiano somos escravizados à mediocridade, desatentos que somos a isso.
Segundo Agnes Heller[1]:
"A vida cotidiana é a vida do homem inteiro; ou seja, o homem participa na vida cotidiana com todos os aspectos de sua individualidade, de sua personalidade. Nela, colocam-se "em funcionamento" todos os seus sentidos, todas as suas capacidades intelectuais, suas habilidades manipulativas, seus sentimentos, paixões , idéias, ideologias. O fato de que todas as suas capacidades se coloquem em funcionamento determina também, naturalmente, que nenhuma delas possa realizar-se nem de longe, em toda sua intensidade. O homem da cotidianidade é atuante e fruidor, ativo e receptivo, mas não tem nem tempo nem possibilidade de se absorver inteiramente em nenhum desses aspectos; por isso, não pode aguçá-los em toda sua intensidade."
Fica então o homem comum ali, com todas as coisas na mão, mas nada realiza fora do âmbito das atividades rotineiramente definidas. É feliz, tal a sua incapacidade de perceber de que universo esta vida do dia a dia o está afastando, ou mesmo interditando.
Parar e pensar. Se debruçar em sua existência vendo-a de uma maneira mais ampla e com possibilidades de realizações com as quais nem sonha.
A rotina diária acaba por se tornar num antolho, tal qual usado nos cavalos, e o homem comum, dentro de sua feliz habitualidade, vai vivendo sua vida: um futebolzinho no fim de semana, uma birita depois; um afago na mulher quando está sóbrio. E assim “toca” a semana, sem se tocar, sem se aperceber e sem aventar a si mesmo possibilidades maiores.
Não é só da política que se afasta, mas de si, de sua vida, de sua espiritualidade, deixando claro que essa espiritualidade nada tem a ver com religião, mas sim com as possibilidades do pensar, do repensar negando o pensamento anterior; refletir enfim; esse grande jogo que nós humanos somos capazes de jogar no momento que nos aprouver.
Sei que é do trabalho que brota o sustento da casa. Mas mesmo dentro do emaranhado tempo dedicado ao aspecto profissional somos capazes de abstrair e extrair uma palavra, uma idéia, um conceito, algo de novo para enriquecer nosso universo cultural.
Não será massacrante a cotidianidade para sempre. Racionais que somos, seremos capazes de saltos de qualidade em nosso viver, fazendo com que este adquira o patamar existencial.
Somos seres existenciais. Existir está num patamar bastante superior ao simples viver. As plantas vivem; vivem os animais. O homem é o único que sabendo de si, reflete sobre sua existência, sobre seu destino, o passado, o futuro, a morte, tudo isso são preocupações inerentes ao reino hominal.
E mesmo sob momentos de trabalho intenso, somos capazes de saltar fora do círculo de fogo profissional, e, postados no alto de alguma colina reavaliar nosso viver convertendo-o num existir.
Neste momento nosso cotidiano não mais será mastigado, isto porque, nossa razão matou a rotina, nos abrindo outros horizontes, inclusive uma possível potencialidade criativa.
Paulo Cesar Fernandes
18/06/2012
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